Minha quinta-feira não é comportada, dormir as 21h depois da novela.
Eu quero e vou sim, dormir só quando cansar, faço parte da noite
enquanto ainda não é dia, e se o dia chegar e enquanto eu me aguentar de
pé, vou viver, e vou viver muito,vou viver tudo. Ah porque você tem
coisas demais na sua agenda, você quer abraçar o mundo com as pernas...
Se minha cabeça ainda aguenta o mundo, quiçá minhas pernas! E não me
venha com lelelê de que amanhã acorda cedo e você não pode dormir à
tarde, e você não pode almoçar sem ser meio-dia, e família é pai e mãe e
tudo mais da propaganda de margarina, e você não pode ser nada além da
etiqueta produzida pela indústria massificada do mundo dos normais. O
normal não existe; o normal é um apelido absurdo que inventaram pra
quando falta a genuinidade. Se pra ser eu dependesse dos outros serem, o
que seria de mim? Ser nada. Ser-nada.
E não me venha
com essa que de dia as coisas são mais claras limpas e
seguras, que a noite é dos desvairados e mendigos, das putas e dos
pobres. Bandido também é gente, puta também é mulher, e tem mendigo mais
humano que muito boyzinho universitário. E de dia tem muita sujeira! Ah
porque tá todo mundo de banho tomado e bem dormido ah vá! Todo mundo
tem problema, um parente complicado, uma frustração pessoal, um vício e
pensamentos sórdidos de vez em quando. Se você não tem, você não está
vivo. E se você está vivo, meu rapaz, você ganhou a oportunidade no
lugar de milhões de espermatozóides aflitos. Honre-os: não fique só na
linha medíocre do sobreviver!
Não me venha falar que tenho que ser uma senhora advogada juíza de
sucesso porque faço Direito. Se eu quiser perder dinheiro ajudando quem não tem mais de dois sapatos, não venha falar que eu não consigo e que não vale a pena se doar assim, eu acho muito digno e ainda sou humana, obrigada por perguntar. Aquela que resolveu mexer com sapatos,
coitada, foi ridicularizada por quase 50 cabeças dentro da sala de aula.
Eu quero mexer com sapatos. Alguém tem que querer ser responsável pelas
luzes. Alguém tem que ser a favor ainda da alegria. E não é alegria
controlada não! Isso de só ser feliz no fim de semana, de descansar só
nas férias na praia, de ter amigos só no mural do facebook. Alguém tem
que garantir que a música não morra em frases monossilábicas que o
dinheiro comprou. Alguém tem que por cor no cinza das ruas e dos
olhares. Alguém tem que fazer chover nesse mundo seco. E quem disse que
eu vou morrer de fome? E se eu morrer, o problema é de quem? Se você
for morto com um tiro de bandido, morreu também, e nem por isso foi mais
feliz. Ou vai ver foi. Não tenho nada contra os doutores e
excelentíssimos, mas por favor não sejam mais hipócritas! O vendendor de
jornal não é menos que você, ciências sociais, cenografia e cinema são cursos de graduação como todos os outros são, e arte não é coisa de hospício;
hospício mesmo é esse todo-dia nosso.
E vá pra
putaquipariu quem diz que o mundo é assim e pronto, que eu tenho que
sentar calada e assistir a degeneração da raça humana e o assassinato do
amor. Quem diz que os sentimentos já foram a muito vencidos pelo
dinheiro e pela fama e pelo cansaço, que vá ser máquina em outro lugar,
longe do meu coração que ainda bate.
No meu domingo não
tem Igreja, e isso não faz da minha espiritualidade
motivo de chacota ou desprezo. Respeito é bom, e todo mundo gosta.
Sempre. Vá à merda com seu deus que proclama a guerra e a discriminação,
e vê se sai de lá menos sujo e menos cruel.
Eu ando
muito calma, sim. Mas não tenho sangue de barata: tenta me moldar, pra
você ver! Sai julgando o mundo inteiro, você que é dono da razão! A
bandeira da passividade não pode ser balançada, e o comodismo é o ópio
desse mundo que tem os olhos tampados pela próprias mãos.
Aqui
dentro fervilha mil coisas, e minha tolerância tem limite bem definido:
deixa ser. Eu e os outros. Porque se não for, e aí? Nada será.
O
dia em que o mundo for vitrine de rostos bonitos, de gente higienizada e
politicamente correta, sem vícios e sem vontades, à serviço de
não-sei-quem não-sei-pra-quê, obrigada por nada e eu prefiro partir!
E três vivas aos que permanecem e renascem na luta contra a
mediocridade! Estão tentando amordaçar a diversidade e assassinar a humanidade que no resta, mas tem ainda
muito circo pra pegar fogo!