Acordou com Sofia sorrindo. Percebeu então que havia dormido com Sofia sorrindo em suas mãos.
Um retrato em preto e branco um pouco já gasto pelo tempo. Ou pelas diversas viagens da gaveta para as mãos e das mãos para as gavetas. Um arranhão aqui ou ali, uma ou duas lágrimas no caminho. Envergonhadas de caírem, depois arrependidas de molharem Sofia.
Tomou café com o sorriso de Sofia na cabeça, e logo ela estava lá, nítida, abrindo a porta da antiga casa do bairro das Laranjeiras. Qual era mesmo a rua? Disso não se lembra, no caminho não pensava na rua, pensava no sorriso. Aquelas bochechas não cansam, afinal? Depois de tanto tempo... Teriam mudado?
Claro que mudaram; as pessoas envelhecem! Mas não Sofia... Teria mudado? Ela amava aquela casa, a varanda branca...
O branco dominou o pensamento e desbotava a imagem de Sofia. Levantou-se da mesa com a imagem das malas se acumulando no porta-malas do Opala branco.
Almoçou com Sofia parada no jardim, o Opala ligado. O sorriso não estava lá. Teria mudado?
Nesse dia nada mais fez além de procurar o caderninho azul de endereços. Qual era o nome da rua, meu deus... Nesse dia, publicou um anúncio no jornal:
"Procura-se aflitivamente um pobre caderninho azul que tem escrito na capa a palavra 'endereços' e dentro está todo sujo, rabiscado e velho"
Que ideia estúpida, meu deus! Pra que fez isso, velho? E ainda deixa nome e endereço... O que os vizinhos vão pensar? Caducou de vez... Está perdendo o senso, Mauro?
Passaram-se dois dias. Dois dias tomando café com o caderno na cabeça e Sofia no coração. Pra que foi resgatá-la de lá dos fundos?
Toca a campainha.
- Mauro?
Não encontrou o caderninho azul. Mas encontrou o que procurava.
E o sorriso estava lá. Entrou e fechou a porta.
Proposta de redação. Limite de 30 linhas. (P.326, Q.41)
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