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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

domingo, 20 de abril de 2014

O sabor da fruta

Pela primeira vez bateu o medo.
Lembrar que apaixonar é sofrer. Não majoritariamente sofrer, na verdade majoritariamente viver pelo que vale a pena, mas de vez em quando - e o problema é esse de vez em quando, mesquinho né? - sofrer, e sentir apertar o peito e arrepender de ter começado a se apaixonar. Porque nessa hora a gente lembra dos momentos ruins que doem como faca, dos traumas - suas cicatrizes -, e pensa: como em são juízo me disponho a ficar assim de novo?
Se dispõe, querida - diz seu pobre irrecuperável coração forte de fraco - porque lembra do cheiro do cabelo, do pêlo da nuca arrepiada, da pele clara iluminada pelo sol, do corpo aconchegado na sua coberta e de repente o medo - que não é bobo e se coloca estrategicamente - permite que a tentação que nos faz ir de encontro com ele se estabeleça, aquele "ah, vale a pena!" traiçoeiro e certeiro.
Traiçoeiro, deixa esquecer a não aceitação da família (como serão os próximos natais?) afinal, apesar de tudo vale a pena pela presença dela fumando no jardim daquele lugar frio...
Traiçoeiro, deixa esquecer que todos param pra olhar e reagem às vezes cômica, às vezes amargamente (quão excêntrico são duas - ou mesmo mais - pessoas se gostarem?). Mas vale a pena pela dança à duas desequilibrando taças de vinho barato na sala.
Traiçoeiro, deixa esquecer a energia que é gasta ao pensar nela e não naquela tarefa importante (será que ela está pensando também?). Mas vale a pena quando o celular vibra com a mensagem dela e de repente você não precisa mais pensar sozinha, vale quase perder o vôo pra transar mais e ter ela esperando com você o ônibus de conexão chegar e você ter aquele alguém de touca e cabelos escuros pra despedir e dizer "me conta se conseguir chegar a tempo", talvez (a gente gosta de pensar, né) desejando que talvez nem consiga e tenha que voltar.
E nesses vários "vale a pena" começa realmente a valer muito, e por valer de algo, vem o medo: de não ser correspondida, da impressão do início ser enganosa (vou me estrepar? Vamos nos estrepar juntas?), de que não saibamos andar no mesmo ritmo, de que ela não tolere meu jeito, de que eu não tolere seus hábitos, de que enfim, acabe tragicamente.
Mas ah, se assim for, que eu coloque Piaf pra cantar minha melancolia e ainda tenha a paz de saber que por algum tempo, qualquer que seja, valeu a pena só por ter sido, inúmeras vezes, público privê e palco daquele sorriso. E o medo fica pra depois. Por agora, me deixo cair em seus braços.