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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Um dia

E aí a gente fica sem saber, se por ser um só, foi uma benção ou um martírio prorrogado.
Miséria ou demasia.
Sabe-se só, que não foi na medida certa.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Prece

Que venha
a hora
o prato
o pranto
a fome

Que me acompanhe
a paz
a planta
a calma
a alma

Que desejem
a mansidão
ou a transa sem colchão
Sou os dois
sou três
Quantas você quiser
Serei sua, mais uma vez
ou três

Que viva em mim
o medo
o ledo
a dor
o amor

Que você procure e ache
para além dos tortuosos desvios
em mim o lugar
para ancorar os seus navios

Convite meio aberto

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Fada verde

Dei um gole rápido, o que já foi o suficiente para que o mundo a minha volta rodasse.
Me pegou desprevenida, ainda que cultivasse em mim a certeza de que voltaria a experimentar do veneno verde.
Dei o gole que me ofereceram, falei sério e falei rindo, dancei e deixei dançar, e parti em paz.
Era o cenário envolto de microbolhas que se desintegravam no ar, pouco a pouco. Meu carnaval se dissolvia diante de mim como um comprimido de vitamina C.
Pois bem, mal começaram a dissipar de meu sangue as primeiras gotas verdejantes, e meu espírito já se pôs pronto para contorcer, buscando agarrá-las no ar, tentando, em vão, impedí-las de escapar.

Como tudo que é um dia deixa de ser, o cenário foi ficando cada vez mais distante, e a realidade dos dias que se seguem ganhando lugar. Despontava a ressaca-guerra: quando a lucidez senta diante de você e te faz encarar a notícia crua do que aconteceu, com a consciência pra por riso ou pesar no que se fez.
E por alguns instantes mais, você deseja voltar, seja pra fazer diferente ou pra puramente reviver a memória já distorcida, cujas impressões urgem - será? -  por serem melhor apreendidas.
Diante da impossibilidade óbvia do retorno, o pedido é outro: uma nova dose, mais uma vez.
É assim, uma só dose nunca é suficiente, embora ajude a matar a sede de ter tudo.

E nesse desfile de carnaval, segue o carro outorgado da abistinência.
Esse, todos sabemos, ninguém fica feliz ao ver passar; afinal, quem é que gosta da falta?
Nele o tema é a insacietude do tempo que não podemos reviver, e ele é colorido de figuras em preto-e-branco, que sambam na avenida da melancolia, marchando pungidamente pela ponta fina e metálica de saudade que não passa.
Os que acabam de entrar para esse bloco, como eu, deliram com o ruflar dos tambores.Aí tudo que era cor fica mais vívida na memória, tudo que era som eu recordava mais alto... Enfim, tudo que aquela lembrança ébria evocava eu tornava maior e mais forte, como se assim eu fosse capaz de capturar o momento da forma mais bela, e antes que ele se apagasse, eternizá-lo num quadro dentro de mim.

O Carnaval acabou, e com ele se foi o ritmo dos tambores. Desde então eu sigo descompassada, como um zumbi na avenida não mais iluminada, esperando por um norte que me guie.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

" - O falso e infeliz conceito de que o homem seja uma unidade duradoura já é conhecido pelo senhor. Também já sabe que o homem é formado por um número incalculável de almas, por uma multidão de egos. Dividir a unidade aparente do indivíduo nessas numerosas figuras é algo que passa por loucura; a ciência encontrou para esse fenômenos a designação de esquizofrenia. A ciência está certa, até certo ponto, quando afirma que nenhuma pluralidade pode conduzir-se sem uma direção, sem uma certa ordem e agrupamento. Mas, por outro lado, não tem razão ao imaginar ser possível somente uma ordenação única, encadeadora, perpétua, para a multiplicidade dos egos subordinados. Êsse êrro da ciência acarreta conseqüências desagradáveis; sua única vantajem reside na simplificação do trabalho dos mestre e dos educadores a serviço do Estado, poupando-lhes os trabalhos do pensamento e da experimentação. Em conseqüência dêsse êrro, muitos homens que passam por "normais", e até por valiosos membros da sociedade, são loucos incuráveis, e, por outro lado, muitos que passam por loucos são verdadeiros gênios. Por isso é que completamos aqui a imperfeita psicologia da ciência com o conceito a que denominamos a edificação da alma. Aqui demonstramos aos que experimentaram a destruição de seu próprio e, que podem a qualquer instante reordenar os fragmentos e com isso conseguir uma variedade infinita no jôgo da vida. Assim como o gramaturgo cria um drama a partir de um punhado de personagens, assim construímos, com as peças de nosso eu despedaçado, novos grupos com novos jogos e agrações, com situações eternamente novas. Veja só!
  Com seus dedos serenos e prudentes apanhou minhas peças, todos os velhos, jovens, crianças, mulheres; tôdas as figuras, as alegres e as tristes, as fortes e as delicadas, as ágeis e as lerdas, ordenou-as rapidamente em seu tabuleiro para o jôgo, no qual logo começaram a formar grupos, famílias, prontas a jogar e a lutar, criando amizades e inimizades, edificando todo um mundo em miniatura. Deixou desfilar diante dos meus olhos aquêle mundo liliputiano, um mundo cheio de animação mas bastante ordenado, deixou que se movesse, jogasse, lutasse, fizesse pactos, desse batalha, trocasse votos, unindo-se, multiplicando-se; era, de fato, um drama repleto de personagens, vívido e interessante.
  Logo o homem desfez o jôgo com um gesto alegre, derrubando tôdas as peças, juntando-as num monte e voltando a armar um novo jôgo com o mesmo cuidado anterior, como um artista meticuloso, com as mesmas figuras, mas em grupos diferentes, com outras interdependências e entrelaçamentos. Este segundo jôgo guardava relação com o primeiro: era o mesmo mundo, formado pelos mesmos materiais, mas nêle havia mudado o tom, o tempo, o motivo e a situação.
  E assim foi o sábio arquiteto construindo com as figuras, que eram fragmentos de mim mesmo, vários jogos, uns após outros, todos semelhantes, todos participantes de um mesmo mundo, todos submetidos a um mesmo destino, mas sempre inteiramente novos."

- O lobo da estepe, pág. 174

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Carta à minha vida que já começou

Não me serve a burguesia desenfreada nem tampouco a boêmia desmedida (se aqui eu não estou criando um paradoxo).
O mesmo Direito que é mecanismo para lutar pelo que acredito, é faculdade de dissimular e sobrepor interesses. É burocracia e frieza. Análise sem compaixão. Não sei bem se cabe ser classificado como "humanas".
E aí eu sei que não vou fazer concurso, trabalhar e ir pra casa satisfeita ou acomodada com um emprego público, uma grana boa e mil angústias no coração.
Quero ser "humana, demasiada humana", se assim posso dizer.
Quero viver da instabilidade enquanto puder. Nem que seja por pouco tempo.
Quero me embriagar nas cores dos palcos, dos figurinos, e das pessoas com todas as suas singularidades.
Quero a companhia de artistas e simpatizantes da vida.
Quero me embrenhar no mundo e visitar os universos particulares; mergulhar no que tem de externo e interno ao universo das pessoas.
Não quero viver de desapegar-me de tudo, contudo não quero me apegar as coisas todas.
Quero ser de corpo e mente livre; mas ainda com moradas aqui ou ali, onde a memória e a saudade possam descansar.
Tenho minhas esperanças, mas mantenho imenso apreço pela sinceridade, o que me deixa na corda-bamba entre sonhar e sofrer.
E aí eu concluo sem muito concluir além disso: meu fado é ser equilibrista na vida.

E acrescento uma nota de rodapé, dizendo que tenho fé que o querer é uma porta que se abre para os infinitos tramites da vida.

No PS, fica o conselho de Saramago:
"A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver."

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Carta do óbito desacertado

E ficou assim
Você pra você
E eu pra mim
A gente espera
E a esperança espera a gente
Esperar brotar ou não
Alguma coisa da semente
Cadê os gritos roucos,
Chico
Cadê os tantos beijos loucos
Já a falta
Vai pesada, vai aos poucos
Sei que vai demorar e acho bom
Guardar um pedaço de você assim
Pra ficar um pouco mais perto de mim

O tempo passa tão depressa; logo acaba, mal começa...