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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

quinta-feira, 26 de julho de 2012

A gente, juntinho

Saudade de rolar nos seus lençóis, e olha que ainda é quarta-feira. Tô a fim de sentir o seu cheiro, me debruçar no seu peito nu e ver o seu sorriso tão lindo e tão seu despontando.Tô querendo tomar banho no seu chuveiro, com direito a água e corpo quente, com você jogando a toalha sobre os meus ombros, pode? Te ligo amanhã, na sexta a gente se vê. Tô querendo um pouco mais de você.

Parada

Era uma lanchonete de beira de estrada. Era inverno, e o dia estava começando a escurecer. De repente entrou um rapaz pela porta de vidro. Vinte e poucos anos, usando um casaco azul-escuro aberto, blusa lisa e calças jeans, nada demais. Era bonito, até, mas nada que chamasse a atenção. Foi direto para o caixa, comprou um maço de cigarros. Parou no balcão e começou a abrir o maço, encarando as placas onde se lia o que a lanchonete oferecia.
- Ei, você. Não é permitido fumar aqui.
- Tranquilo.
- Vai querer alguma coisa?
- Não, obrigado.
Saiu pela porta guardando o maço no bolso de trás e tirando um isqueiro. Ficou do lado de fora, fumando por alguns minutos. No início andou em círculos algumas vezes, depois sentou-se. Os olhos na rodovia, nos ônibus estacionados, nas pessoas que passavam pela porta de vidro. Pouco tempo depois entrou no ônibus, que o tempo da parada tinha acabado.
E é só isso. Um rapaz na parada da viagem. Mais um entre vários outros rapazes, e moças, e crianças, e senhoras, e velhos, que param na beira da estrada por vinte minutos ou menos, e eu fico aqui pensando as histórias que cada um teria pra contar. Fico imaginando quanto pensamento surge e se dissipa ali, debaixo da luz branca ofuscante; quantas dúvidas e quantos medos, quais sonhos e que saudades brotam na cabeça dos que se olham no espelho do banheiro das lanchonetes. Penso em quantos encontros ocorrem e não se completam na porta de vidro. Quantas almas perambulam nas estradas, quantas estrelas sorriem e morrem no céu que as pessoas olham pelas janelas dos ônibus e carros e caminhões, ou a pé ou de bicicleta. Quantas paisagens os olhos humanos já viram... Imagino quantos são os filhos abandonados, quantos quilômetros se fizeram de história, as memórias que são combustível dos viajantes. Fico imaginando quantos amores são esquecidos na poeira da estrada, quanta gente com a esperança renovada. Fico pensando em quanta vida cabe dentro de uma lanchonete de beira de estrada.

Da felicidade nas pequenas coisas

Comer bolo de chocolate na cozinha de quem você gosta após uma transa gostosa e um banho quente: é disso que são feitas as pequenas felicidades.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Sobre tapetes, amor e cebolas

Chorava, mas chorava por dentro, porque não lhe restavam lágrimas pra escorrer.
Pedro estava ali, em pé na cozinha apertada, cortando cebolas enquanto via o dia virando noite no céu. Estava cortando cebolas, e não caía uma lágrima sequer. Já não havia mais lágrimas, havia gastado todas, uma a uma; uma pra cada minuto de felicidade que tivera ao lado da mulher que amava tanto tanto, uma para cada minuto de silêncio que fizera desde a sua morte.
Se pudesse chorar, chorava porque estava a remexer no armário em busca de um comprovante e acabou encontrando o ingresso do primeiro filme que viu com Letícia no cinema, no dia em que se conheceram. Na verdade, que não viu.
Ele estava à caminho da sala de cinema, quando viu o ingresso no chão. Pegou, deu uma olhada em volta. Uma mulher estava poucos passos à frente, observando os cartazes. Com licença moça, é seu? A moça olhou para trás com seus olhos enormes e castanhos, e Pedro nunca viu coisa mais bonita desde então. Desde a boina vermelha cobrindo parte dos cabelos pretos até a sapatilha colorida, era 1,68 de encanto. Encarou o bilhete e balançou a cabeça negativamente. É que achei no chão, e você estava perto, pensei que fosse seu... Não, na verdade eu acabei de sair desse filme. É mesmo? Eu estou indo assistir agora! A moça olhou com engraçados olhos de dó: é uma porcaria. Bem, talvez alguém tenha recebido esse aviso à tempo e desistido de assistir, disse Pedro apontando com a cabeça para o ingresso. A moça riu. Provavelmente! Pedro ficou satisfeito por tê-la entretido, e então se achou ridículo por isso. Mas era bem verdade que queria estender a conversa para ter mais alguns minutos com ela. Tinha um cheiro maravilhoso, provavelmente do perfume, e Pedro pensou em perguntar o nome. Não, que pergunta besta que seria! E se bobear ela vai achar que sou gay. Não achando nada que coubesse dizer, pensou que era melhor se apresentar logo. Sou Pedro. Letícia. Quando ela já se virava para ir embora, Pedro soltou rapidamente, como a última respirada: não quer me acompanhar? Já que o filme não valerá a pena, seria bom conversar com alguém, e esse ingresso acaba tendo um fim mais digno. Letícia achou engraçado e acabou aceitando. O nome do filme nem vem ao caso, nem mesmo assistiram. Conversaram durante o filme inteiro, riram muito, saíram antes para não serem expulsos, riram disso também, prolongaram num bar e trocaram telefones. Depois viriam muitos outros filmes, muitas conversas, muitos beijos e sexo e brigas e reconciliações e viagens e mais brigas e mais sexo e muito amor.
O travesseiro ainda tinha o cheiro do perfume de Letícia. A nostalgia que aquele aroma despertava variava de nuance ao longo do tempo, de acordo com o humor e a dor de Pedro.
Nos primeiros dias, era um conforto, como se ela ainda estivesse ali, como se a sua ausência não fosse eterna. Se era cedo da manhã, Pedro acordava sentindo aquele cheiro, e era como se Letícia tivesse ido na padaria comprar pão e logo estaria de volta. Se era noite, ela estava no cinema com as amigas. Se era madrugada, Pedro fazia esforço para pensar que ela atrasou, que esticou a saída num barzinho qualquer. Não, não um qualquer, que fica muito irreal. No Bar do Tito, que a cerveja era barata e o próprio Tito oferecia um conhaque por conta da casa para Letícia, que gostava tanto de aquecer o corpo e a alma.
Mas os dias foram passando, e a ficha foi caindo: ela não volta. Não volta não Pedro, para de teatro que o único a quem engana é você mesmo. Daí o cheiro passou a zombar dele, todo dia quando acordava, toda noite quando deitava. Queria jogar fora, mas pensou em todos os argumentos para não fazê-lo. Não podia simplesmente ir parar no lixo, seria um desperdício. Pensou em passá-lo adiante para algum amigo, mas que homem fica em paz enquanto outro dorme satisfeito sentindo o cheiro de sua mulher? Contudo, não podia doá-lo à alguém na rua, porque... bem, se não pudesse imaginá-lo sendo usado por um amigo, quem dirá um desconhecido! É, estava sem opções, teria que manter aquela lembrança ali, afinal.
Depois a convivência com o travesseiro ficou mais fácil, não porque Pedro aceitara melhor a perda, mas porque o tempo, como faz com todas as coisas,fez com que o perfume dissipasse pouco a pouco.
Aí Pedro pensou no quão voláteis são a coisas, e no quanto isso era frustrante e ridículo.
Ridículo era também que Pedro estivesse ali, picando cebolas para cozinhar um omelete às cinco da tarde, porque fazia duas horas que acordara, e tinha gastado todo esse tempo olhando para a ponta do tapete da sala. Acordou ao lado do maldito travesseiro, faminto, e no caminho da cozinha tropeçou no tapete indiano que Letícia tinha escolhido dois anos atrás, em uma venda de quintal que obrigara Pedro a ir. Quando tropeçou, fez virar a ponta, onde se viam alguns dos vários tracinhos azuis.
Letícia tinha mania de fazer uma marca com caneta do lado contrário do tapete sempre que tinham uma transa boa. Sabe como? Daquelas que começam na porta do apartamento. Ou que começam na cama, mas terminam na sala. Daquelas de orgasmos memoráveis. A primeira vez que desenhou um tracinho no tapete, Pedro estranhou. Nossa vida sexual é ótima, até parece que vai marcar só umas vezes. Não, marcaria várias. E justamente porque o sexo era bom e constante, Letícia dizia que era importante marcar, que era pra não perder o hábito, pra manter viva a mágica. Uma vez Pedro broxou, ficou sem graça, disse que isso nunca acontecia, Letícia finjiu acreditar, Pedro jurava que era verdade, e ela encerrou o assunto e pediu que ele deitasse em seu colo. Pedro reclamou que ela só estava tentando o fazer sentir melhor, Letícia riu. Não está funcinando? Até que estava. Conversaram intimidades e trocaram confidências, e acabou que foi a melhor broxada da vida de Pedro. Nesse dia, Letícia fez uma marca especial no tapete, no que Pedro protestou. Está zombando de mim! Vai marcar isso aí pra lembrar que eu sou broxa? Você não é broxa, você é o amor da minha vida. Você broxou, e isso ainda vai ser motivo de riso, deixe de ser bobo. Estava certa: Pedro hoje olha para a marca, e ri-se. Como não ria fazia muitos meses, desde que Letícia passou a ser um restinho de perfume no travesseiro, umas marcas de caneta azul no tapete, um ingresso de cinema, e tantas lembranças mais que faziam Letícia viver no dia-a-dia de Pedro. Nas lágrimas de Pedro. Nas cebolas de Pedro. No coração de Pedro. E Letícia não morreu nunca mais para ele.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Metade num canto da cidade

"Eu deixo a porta aberta
Eu não moro mais em mim..."

Tomava uma cerveja long-neck sentada no pequeno banco ao lado da árvore, num canto da cidade.
"Eu perco as chaves de casa, eu perco o freio"
Ouvia o burburinho leve das pessoas sentadas nas mesinhas do bar e o som alto e aconchegante da banda que tocava MPBs.
"Estou em milhares de cacos, eu estou ao meio.."
Deu um gole rápido na cerveja
Catou o cigarro que descansava no banco ao lado de sua perna,
deu três ou quatro tragos lentos,
observava a ponta queimando devagar e iluminando a paisagem à sua frente, cintilando os copos de chopp e ofuscando a vista; os contornos, os rostos...
"Onde será que você está agora?"

Do ônibus, numa quarta-feira fria

O céu branco cobria a cidade e clareava a alma das pessoas que debaixo dele viviam, dissolvendo a rigidez do cotidiano e permitindo a elas sentir. Isso ou aquilo, qualquer coisa enfim, qualquer coisa assim, que não se ousa sentir numa quarta-feira à tarde; afinal a vida tem que andar...
As nuvens formavam-se como leite, cremoso e de repente vaporizado.
Misturavam-se as pequenas e de contorno nítido com as disformes que se espalhavam em cauda branca e suave.
A luz pálida envolvia um misto de serenidade e tristeza, de hoje é dia de pensar, e pensar nas lágrimas que não deixamos escorrer na correria do dia.
Era o platinado do céu invadindo o panorama prateado: as almas das pessoas dos prédios estavam leves, como que se soltando do concreto, e se preparavam para ao longo daquele dia arderem pratas até descorarem.
E o dia seguinte irá colorí-las novamente, amém.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Way over yonder in the minor key

Acordamos com nossos corpos alvos e nus embaraçados em meio ao lençol branco.
Raios de sol entravam pela janela, que estava aberta desde o calor da noite que passou.
Na mesinha de cabeceira, uma calça jeans, algumas moedas fora do bolso, um copo d'água, um celular desligado e uma camiseta branca de seda.
Ele direciona o olhar para mim por um instante, e desponta um sorriso leve, daqueles que os olhos acompanham... Levanta, esbarrando, sem querer, os pés na calcinha de renda na beirada da cama. Anda em direção à cozinha, desviando das coisas espalhadas pelo chão: o abajour, o casaco amarelo, dois anéis, a jaqueta de couro preta...
Permaneço na cama por mais algum tempo, até o cheiro de café invadir o quarto. Visto a camiseta de seda e sigo para a cozinha, ouvindo o tilintar das xícaras. Ele acabou de pôr o bule na mesa. Nos servimos de café e atravessamos a porta em direção à varanda da rústica casinha, os pés descalços no chão de tábuas.
Nos aproximamos da cerca, ele senta numa cadeira ao canto e eu me apóio no braço.
Contemplamos em silêncio a paz à nossa volta: a sutileza dos raios de sol no campo vasto e verde, o orvalho sobre a grama, a brisa fria da manhã, o som da água nas pedras do pequeno riacho ao longe...
Eu penso no que ele disse uma vez, que podia viver assim a vida toda...
À esquerda, estacionado de frente para a casa, o velho impala azul e bege, cobertores e malas no banco de trás.
Ele toma o último gole de café, repousa a xícara no canto da cerca, levanta-se, e caminha em direção ao carro, suas costas expostas, a pele clara contrastando - ou seria combinando - com a paisagem ao redor e me trazendo o conforto novo de sempre.
Senta no banco da frente, retira do porta-luvas uma chave-extra e tenta dar a partida, em vão. Ele dá de ombros e sorri pra mim. Remexe então na lateral da porta, e tira um maço de cigarros. Acende um e dá uma tragada rápida, olhando em minha direção: um convite para acompanhá-lo.
Entro, pego o velho cobertor xadrez no banco de trás e coloco pra tocar um CD de músicas selecionadas. Está nos segundos finais de Way Over Yonder in The Minor Tree, a última que ouvimos na viagem de vinda. Pulo algumas faixas e Beatles começa a tocar: When I'm 64. Encosto a cabeça nos seus ombros e pego o cigarro entre seus dedos finos e cálidos. Dou uma tragada lenta enquanto observo a ponta queimar laranja, e devolvo. Ficamos ali, meu corpo escorado no dele, no Impala em frente à pequena casa de madeira.
Alguns cigarros depois, estamos abraçados ao som de Anna, e ele faz uma ou duas piadas infames. Quando Blackbird começa a tocar, já estamos no banco de trás, corpos juntos, as malas jogadas ao lado, na grama fria. Deslizamos para fora e deitamos nus sobre o cobertor no gramado, e deixamos que o sol do meio-dia acalente o nosso sono.

Eu acordo antes.

Pêndulo dos desacordos

Os seres humanos oscilam tanto entre a maldade e a bondade em um único dia, que não sei como não ficam tontos.
Mas que passam a ver a vida de forma mais torta, ah, isso sim...