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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Way over yonder in the minor key

Acordamos com nossos corpos alvos e nus embaraçados em meio ao lençol branco.
Raios de sol entravam pela janela, que estava aberta desde o calor da noite que passou.
Na mesinha de cabeceira, uma calça jeans, algumas moedas fora do bolso, um copo d'água, um celular desligado e uma camiseta branca de seda.
Ele direciona o olhar para mim por um instante, e desponta um sorriso leve, daqueles que os olhos acompanham... Levanta, esbarrando, sem querer, os pés na calcinha de renda na beirada da cama. Anda em direção à cozinha, desviando das coisas espalhadas pelo chão: o abajour, o casaco amarelo, dois anéis, a jaqueta de couro preta...
Permaneço na cama por mais algum tempo, até o cheiro de café invadir o quarto. Visto a camiseta de seda e sigo para a cozinha, ouvindo o tilintar das xícaras. Ele acabou de pôr o bule na mesa. Nos servimos de café e atravessamos a porta em direção à varanda da rústica casinha, os pés descalços no chão de tábuas.
Nos aproximamos da cerca, ele senta numa cadeira ao canto e eu me apóio no braço.
Contemplamos em silêncio a paz à nossa volta: a sutileza dos raios de sol no campo vasto e verde, o orvalho sobre a grama, a brisa fria da manhã, o som da água nas pedras do pequeno riacho ao longe...
Eu penso no que ele disse uma vez, que podia viver assim a vida toda...
À esquerda, estacionado de frente para a casa, o velho impala azul e bege, cobertores e malas no banco de trás.
Ele toma o último gole de café, repousa a xícara no canto da cerca, levanta-se, e caminha em direção ao carro, suas costas expostas, a pele clara contrastando - ou seria combinando - com a paisagem ao redor e me trazendo o conforto novo de sempre.
Senta no banco da frente, retira do porta-luvas uma chave-extra e tenta dar a partida, em vão. Ele dá de ombros e sorri pra mim. Remexe então na lateral da porta, e tira um maço de cigarros. Acende um e dá uma tragada rápida, olhando em minha direção: um convite para acompanhá-lo.
Entro, pego o velho cobertor xadrez no banco de trás e coloco pra tocar um CD de músicas selecionadas. Está nos segundos finais de Way Over Yonder in The Minor Tree, a última que ouvimos na viagem de vinda. Pulo algumas faixas e Beatles começa a tocar: When I'm 64. Encosto a cabeça nos seus ombros e pego o cigarro entre seus dedos finos e cálidos. Dou uma tragada lenta enquanto observo a ponta queimar laranja, e devolvo. Ficamos ali, meu corpo escorado no dele, no Impala em frente à pequena casa de madeira.
Alguns cigarros depois, estamos abraçados ao som de Anna, e ele faz uma ou duas piadas infames. Quando Blackbird começa a tocar, já estamos no banco de trás, corpos juntos, as malas jogadas ao lado, na grama fria. Deslizamos para fora e deitamos nus sobre o cobertor no gramado, e deixamos que o sol do meio-dia acalente o nosso sono.

Eu acordo antes.