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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

sábado, 21 de março de 2015

eu-termino do futuro

Vejo baianas fazendo oferendas pra Iemanjá
e penso cadê os meus pés no mar?
Penso na dança dos ciganos e nômades
e desejo sair logo desse lugar

Penso em tudo que ainda tenho pra andar
e quão rápido o tempo há de passar
Aposto no futuro esperando que a aposta
dê resultados pra já

Vejo céu e mar balançados
vejo pernas e braços molhados
apertados na rede
se secando pra de novo molhar

vejo diplomas e guardanapos dobrados
na mesa da sala e na mesa do bar
vejo discursos mais apaixonados
e silêncios aprendendo a falar

vejo meios-amores e um amor no meio
e penso quão bom isso pode ser de ruim
o que é que eu tanto faço
pra ser meio amada assim?

vejo caminhos meio traçados
com um milhão de pedaços
a dançarem em volta de mim

espero que tenha mais tempo na vida
espero que a vida tenha mais tempo pra dar
espero que o tempo dilate na felicidade
e deixe a ruindade pra lá

espero que eu pare de esperar
pra que tudo que me espera resolva chegar

Claridade e escuridão

  Meu cuidado com você é luz enquanto você é escuridão pra mim na irresponsabilidade que tens consigo mesma, irresponsabilidade que pode te custar a vida - por si só, preciosa, e fora da minha uma catástrofe para o nosso final, não havendo poesia pra curar a tragédia prática que isso representaria. Ainda assim - ou mesmo por isso - você é claridade pra mim na sua natureza amável e aberta, um convite pra que eu abra as cortinas entre meus músculos cardíacos e os aparatos mal trabalhados da minha expressão: mãos, abdômen, boca - no seu pacote lábios e voz - sobretudo! A vontade de cuidar e de demonstrar esse cuidado.
  Contudo também pesa em mim saber que sem esse meu esforço para demonstrar carinho com mais delicadeza tudo pode ruir, suas intuições elevarem-se a constatações sobre os meus sentimentos em fração de horas. O que trás a leveza para a permanência é, talvez, sua paciência diante da minha falta de tato. É seu olhar de compaixão mútua: por mim, pelo meu esforço que só produz resultados pequenos ou muito lentos; e por si mesma, por continuar esperando por algo que talvez eu não consiga ainda oferecer.
  Esse jogo de luz e sombra ainda recai sobre a minha insistência em esclarecer que está tudo bem, o que vem por vezes me distrair ou confundir de forma que eu não vejo o que se esconde. É em algum momento estar desatenta que pronto, cria no mundo das suas ideias desconfianças sobre meu compromisso contigo - compromisso esse que insistimos em divergir, afinal pra mim existe o compromisso com a relação, seja ela aberta, fechada, íntima ou amigável; e o compromisso com a unidade "nós", o que simbolicamente criamos e jamais deixará de existir.  Questão é, que se de fato houver algo me perturbando, ainda que infinitamente menor que as perspectivas fatídicas que surgem na sua mente, essa coisa pequena vai acabar sendo revelada antes de eu distinguir com clareza o que é, e essa coisa tomará proporções concretas que eu não delineei, tarefa que fica a bel prazer da sua mente intuitiva numa espécie de vidência perigosa. Perigosa porque na essência a tentativa de me ler não costuma ser bem sucedida ou bem recebida por razões astrológicas várias; mas principalmente porque diante de uma afirmação intuitiva sua a minha não-resposta que é tão somente um não-saber se torna uma não-negação e pronto, a afirmação ganha tons de verdade sem que eu possa refutar. E uma vez tida como verdade, eu gastarei energia analisando essa verdade segunda, quando poderia estar, desde o princípio, focada em matar demônios menores que se transformaram, em fração de horas,
  A expectativa nos seus olhos é pra mim então a luz da esperança olhando de longe a fenda escura da distância do nosso emocional.  É portanto o nosso ritual de carinho a mais dual das coisas: luz e sombra, por ser vontade mas, sumariamente, necessário; voluntário porém exigido, verdadeiro porém exaltado para cobrir possíveis dissonâncias.
  No seu gole de cerveja explode o alívio nos olhos alheios (ah, como é cômodo o existir do outro não nos afligir, não é?), bem alheios ao que percebe meu olhar nas sombras que vê a fuga, e já não és mais luz.
  Sobe o seu sorriso até os cantos pela reafirmação da minha presença e o mesmo fio do seu rosto faz cair a alegria quando lembra da minha futura ausência.
  Te engrandece os avanços na nossa relação não tradicional, e te diminui a não completude do esforço emocional que isso carrega.
  E como num encontro de cegos, nos tateamos no escuro e admiramos nossas silhuetas na contra-luz, aproveitando os pedaços uma da outra, nos admirando e nos reconfortando quando nossos vincos se encaixam. E esperando o mistério de quando os olhos se abrirem em novos horizontes.

(Texto iniciado no meio do túnel e finalizado hoje, na saída metafórica, no êxtase do epitáfio, depois do silêncio, do soluço, do respiro e do descanso)