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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

"Nossos domingos estão criando expectativas quanto a nós, e não o contrário.
Aposto que eles estão protelando nossa tarde calma e quentinha puramente por diversão."

Extraído de um diálogo reconfortante e bem-humorado na minha quinta-feira à noite.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

"Olha. o homem aranha passou por aqui!"
Foi o que eu ouvi hoje cedo de uma criança que olhava as marcas de tiro no vidro estilhaçado do supermercado.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Black Orchid Doom

Tinha o convés mais negro de todo o mar e mundo
Mais negro que o âmago de um corvo agonizante.
Quimera dos amantes, o Black Orchid Doom
 era coberto de lendas e delírios de homens;
muitos que nem sequer chegaram a avistá-lo;
outros que, em toda a vida, nem mesmo puseram os pés do litoral.
Alguns ousavam dizer que flutuavam ao redor de seu casco
rútilo pó de pérola, farelo das almas que carregou consigo
nas vezes que ancorou.
À bordo, uma unica tripulante;
o corpo mais bonito do mar.
Os olhos mais sombrios que qualquer coração já viu.
De pele alva e cabelos negros e compridos,
capazes de em suas tranças prender 100 homens de uma vez.
Bastou que um em especial - com nada de tão especial assim
além de traduzir em seus olhos todos os mistérios do mundo -
permitisse a ela mergulhar em seus segredos por alguns segundos ou meses (ela mesmo não sabe)
antes de desvanecer na poeira da vida
para que tal esfíngica mulher se dotasse fadada a vaguear pela noite pelágica.
Na décima primeira noite de desamor,
ela se jogou em alto mar
E desde então não viu mais dia,
conduzindo pela noite afora seu soturno navio
carregando seu desalento no peito como se faz com amuletos
com a certeza de uma única vez por ano ancorar
e nessa única vez levar todas as almas masculinas do porto
que ousarem encarar seus olhos de sereia-edaz.
Nessas madrugadas, gritos abafados eram seguidos de um silêncio peculiar
que era quebrado pelo ora arrebatado, ora fatigado pranto
de tantas mães e esposas; filhas e amantes
Pranto este que inflava as velas do Black Orchid, que retomava seu rumo
Para além disso, a capitã desse implacável navio
tinha diante de si tão somente o balançar e chiar das águas,
e guiava-se unicamente pelos cândidos caminhos de estrelas do escuro céu
Até o fatídico instante em que o vazio do mundo tomou, por completo, conta de seu ser - se vivente podemos chamá-la
Seguir observando a enormidade estelar já não lhe era suficiente
O que conheço até então nunca prestou serventia, ela dizia
Nada havia que soprasse em sua alma júbilo qualquer
A própria tristeza,  toda a melancolia acumulada, nem sequer alterava-lhe a feição
Não havia nela, de fato, qualquer coisa que ainda ardesse viva
pelo mundo no qual perambulava
O mar, portanto, não era mais caminho
Mas o espelho do mundo que ainda estava por adentrar
Espelho que ela mirava fixamente, ali em pé e descalço,
nas bordas da popa do navio
E depois de um suspiro demorado
Ela mergulhou no abismo de estrelas
e afundou nas ondas do mar
Da proa do Black Orchid Doom podia-se ver,
se ali houvesse alguém para ver,
o mais belo corpo da noite
se afogando em suas contelações
e sumindo na escuridão do mar.

Carta deselegante aos conformistas

Minha quinta-feira não é comportada, dormir as 21h depois da novela. Eu quero e vou sim, dormir só quando cansar, faço parte da noite enquanto ainda não é dia, e se o dia chegar e enquanto eu me aguentar de pé, vou viver, e vou viver muito,vou viver tudo. Ah porque você tem coisas demais na sua agenda, você quer abraçar o mundo com as pernas... Se minha cabeça ainda aguenta o mundo, quiçá minhas pernas! E não me venha com lelelê de que amanhã acorda cedo e você não pode dormir à tarde, e você não pode almoçar sem ser meio-dia, e família é pai e mãe e tudo mais da propaganda de margarina, e você não pode ser nada além da etiqueta produzida pela indústria massificada do mundo dos normais. O normal não existe; o normal é um apelido absurdo que inventaram pra quando falta a genuinidade. Se pra ser eu dependesse dos outros serem, o que seria de mim? Ser nada. Ser-nada.

E não me venha com essa que de dia as coisas são mais claras limpas e seguras, que a noite é dos desvairados e mendigos, das putas e dos pobres. Bandido também é gente, puta também é mulher, e tem mendigo mais humano que muito boyzinho universitário. E de dia tem muita sujeira! Ah porque tá todo mundo de banho tomado e bem dormido ah vá! Todo mundo tem problema, um parente complicado, uma frustração pessoal, um vício e pensamentos sórdidos de vez em quando. Se você não tem, você não está vivo. E se você está vivo, meu rapaz, você ganhou a oportunidade no lugar de milhões de espermatozóides aflitos. Honre-os: não fique só na linha medíocre do sobreviver!

Não me venha falar que tenho que ser uma senhora advogada juíza de sucesso porque faço Direito. Se eu quiser perder dinheiro ajudando quem não tem mais de dois sapatos, não venha falar que eu não consigo e que não vale a pena se doar assim, eu acho muito digno e ainda sou humana, obrigada por perguntar. Aquela que resolveu mexer com sapatos, coitada, foi ridicularizada por quase 50 cabeças dentro da sala de aula. Eu quero mexer com sapatos. Alguém tem que querer ser responsável pelas luzes. Alguém tem que ser a favor ainda da alegria. E não é alegria controlada não! Isso de só ser feliz no fim de semana, de descansar só nas férias na praia, de ter amigos só no mural do facebook. Alguém tem que garantir que a música não morra em frases monossilábicas que o dinheiro comprou. Alguém tem que por cor no cinza das ruas e dos olhares. Alguém tem que fazer chover nesse mundo seco.  E quem disse que eu vou morrer de fome? E se eu morrer, o problema é de quem? Se você for morto com um tiro de bandido, morreu também, e nem por isso foi mais feliz. Ou vai ver foi. Não tenho nada contra os doutores e excelentíssimos, mas por favor não sejam mais hipócritas! O vendendor de jornal não é menos que você, ciências sociais, cenografia e cinema são cursos de graduação como todos os outros são, e arte não é coisa de hospício; hospício mesmo é esse todo-dia nosso.

E vá pra putaquipariu quem diz que o mundo é assim e pronto, que eu tenho que sentar calada e assistir a degeneração da raça humana e o assassinato do amor. Quem diz que os sentimentos já foram a muito vencidos pelo dinheiro e pela fama e pelo cansaço, que vá ser máquina em outro lugar, longe do meu coração que ainda bate.

No meu domingo não tem Igreja, e isso não faz da minha espiritualidade motivo de chacota ou desprezo.  Respeito é bom, e todo mundo gosta. Sempre. Vá à merda com seu deus que proclama a guerra e a discriminação, e vê se sai de lá menos sujo e menos cruel.

Eu ando muito calma, sim. Mas não tenho sangue de barata: tenta me moldar, pra você ver! Sai julgando o mundo inteiro, você que é dono da razão! A bandeira da passividade não pode ser balançada, e o comodismo é o ópio desse mundo que tem os olhos tampados pela próprias mãos.
Aqui dentro fervilha mil coisas, e minha tolerância tem limite bem definido: deixa ser. Eu e os outros. Porque se não for, e aí? Nada será.
O dia em que o mundo for vitrine de rostos bonitos, de gente higienizada e politicamente correta, sem vícios e sem vontades, à serviço de não-sei-quem não-sei-pra-quê, obrigada por nada e eu prefiro partir!

E três vivas aos que permanecem e renascem na luta contra a mediocridade! Estão tentando amordaçar a diversidade e assassinar a humanidade que no resta, mas tem ainda muito circo pra pegar fogo!