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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Black Orchid Doom

Tinha o convés mais negro de todo o mar e mundo
Mais negro que o âmago de um corvo agonizante.
Quimera dos amantes, o Black Orchid Doom
 era coberto de lendas e delírios de homens;
muitos que nem sequer chegaram a avistá-lo;
outros que, em toda a vida, nem mesmo puseram os pés do litoral.
Alguns ousavam dizer que flutuavam ao redor de seu casco
rútilo pó de pérola, farelo das almas que carregou consigo
nas vezes que ancorou.
À bordo, uma unica tripulante;
o corpo mais bonito do mar.
Os olhos mais sombrios que qualquer coração já viu.
De pele alva e cabelos negros e compridos,
capazes de em suas tranças prender 100 homens de uma vez.
Bastou que um em especial - com nada de tão especial assim
além de traduzir em seus olhos todos os mistérios do mundo -
permitisse a ela mergulhar em seus segredos por alguns segundos ou meses (ela mesmo não sabe)
antes de desvanecer na poeira da vida
para que tal esfíngica mulher se dotasse fadada a vaguear pela noite pelágica.
Na décima primeira noite de desamor,
ela se jogou em alto mar
E desde então não viu mais dia,
conduzindo pela noite afora seu soturno navio
carregando seu desalento no peito como se faz com amuletos
com a certeza de uma única vez por ano ancorar
e nessa única vez levar todas as almas masculinas do porto
que ousarem encarar seus olhos de sereia-edaz.
Nessas madrugadas, gritos abafados eram seguidos de um silêncio peculiar
que era quebrado pelo ora arrebatado, ora fatigado pranto
de tantas mães e esposas; filhas e amantes
Pranto este que inflava as velas do Black Orchid, que retomava seu rumo
Para além disso, a capitã desse implacável navio
tinha diante de si tão somente o balançar e chiar das águas,
e guiava-se unicamente pelos cândidos caminhos de estrelas do escuro céu
Até o fatídico instante em que o vazio do mundo tomou, por completo, conta de seu ser - se vivente podemos chamá-la
Seguir observando a enormidade estelar já não lhe era suficiente
O que conheço até então nunca prestou serventia, ela dizia
Nada havia que soprasse em sua alma júbilo qualquer
A própria tristeza,  toda a melancolia acumulada, nem sequer alterava-lhe a feição
Não havia nela, de fato, qualquer coisa que ainda ardesse viva
pelo mundo no qual perambulava
O mar, portanto, não era mais caminho
Mas o espelho do mundo que ainda estava por adentrar
Espelho que ela mirava fixamente, ali em pé e descalço,
nas bordas da popa do navio
E depois de um suspiro demorado
Ela mergulhou no abismo de estrelas
e afundou nas ondas do mar
Da proa do Black Orchid Doom podia-se ver,
se ali houvesse alguém para ver,
o mais belo corpo da noite
se afogando em suas contelações
e sumindo na escuridão do mar.