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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Epitáfio antecipado ou manual de como me homenagear na partida

Se eu morrer, quero continuar viva como quem não sabem o paradeiro, sem pagar pelos direitos autorais do mistério, mas tão qual Belchior.
Aliás, toquem Belchior pra se despedirem de mim!
Antes eu dizia que não queria lágrimas, só amigos no buteco reunidos contando casos, rindo o máximo que puderem, soltando suas impressões entre goles e cigarros, sem me santificar ou demonizar, mas sinceros no que sabiam e viveram de mim. Sempre fui de preferir a honestidade, né, até a mais amarga é bonita só por ser verdadeira. Tenho um problema com o que é falso, mas isso é afirmação muito simplista. Abro exceções poéticas, por exemplo: quando eu me for, vou pra Bahia, pra algum canto remoto de países africanos, peguei um barco com vista pra Grécia... Inventem histórias. Que fui astróloga e numeróloga profissional (quem sabe serei), atendendo todo tipo de gente num quintal de portas abertas. Que fui salvar pessoas, ou perturbar quem matam outras, seja com revólveres ou leis. Que resolvi ser atriz de mim mesma e fui viver nômade novos personagens. Que entrei pro circo. Que fui viver das coisas que a natureza dá, fazendo e vendendo incensos místicos. Que sejam várias versões, o importante é serem boas ou ridículas de dar risada. Só não me deixem partir medíocre.
E tomara que eu não me deixe fazer o mesmo.
Hoje eu mudo o pedido: que tenham sim lágrimas, por favor, se eu tiver o mérito de conquistá-las. Um bom silêncio basta. Deixem que ele seja preenchido pela memória do meu incessante prazer de falar. Nesse dia, eu vou estar, acima de tudo, escutando. Nesse dia espero que chova. Em um 2 de Novembro escutei num terreiro que chove no dia dos finados pra lavar as almas. Achei bonito. A data do meu aniversário é rodeada de significados que me exprimem bem. Que a data da minha morte tenha sua dose de significado também.
E pros mais sentimentais, que fique nas mentiras de vocês um alento pra saudade verdadeira, de que eu só fui por aí e volto já. Quem sabe eu volto. Quem sabe eu nunca mais vou embora... Se eu puder, eu vou partir várias vezes em vida, e nunca mais vou embora de algum lugar enquanto esse lugar viver...
E pelamor, não coloquem meu nome de registro quando a data da entrega definitiva vier! Sempre fui uma mistura de como me denomino e de como me chamam. Não poderia ser diferente... Deixem as letras de certidões para os burocratas. Pra mim, todas as boas coisas que seus papéis não compram. Matem o capitalismo na minha morte. Anarquizem seus sentimentos quando pensarem em mim. Se reúnam como nunca se reuniram através de mim - deixem eu ser ponte.
Sei que não faço pedidos de todo fáceis, mas penso que é absolutamente difícil ser esquecida. Cabeça dura e com fé na capacidade de vocês, eu peço gentilmente... Me salvem desse mal. Desejo, contudo, que mesmo que difícil, seja suave.Espero que esquecer também.