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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Le ingrat de bohème - Conto, prévia.

Arrastou-se até a mesa da sala e serviu-se de um pouco de Bourbon. Mãos tremendo, tomou a dose num gole e encheu o copo novamente. Sentou-se, não se aguentava de pé. Olhou pela pequena janela de vidros sujos o nublado do céu e o contorno dos enormes edifícios da cidade. O vidro envelhecido e a cortina amarelada faziam da luz um tom pastel que iluminava o pequeno loft suavemente. Melhor assim: a cabeça estourando tinha o alívio daquelas cores calmas e quentes. A mesma luz fazia brilhar os estilhaços de vidro sobre o tapete.

- Estou indo embora.
 - Vai viajar? Quando volta?
- Nunca.
Olhava fixamente para o indicador do andar do elevador.
Era um prédio antigo na Rue de la Boule Rouge, ao lado do Alberge du Louis e do Mimi's, cabaré de categoria duvidosa, daqueles que algumas letras da placa de entrada estão apagadas e ninguém liga. Talvez essa fosse uma amarga ironia na vida de Carmem: a um quarteirão de distância, na rua Richer, estava o glorioso Folies Bergère, onde trabalhou por um tempo. Era a principal dançarina de tango e participava dos espetáculos do fim de semana, mas por alguma razão que nunca tomei total conhecimento, teve de sair. Não sei como acabou procurando por uma vaga no Mimi's, que não tinha nem um décimo do luxo do Bergère, e seu público muito menos. A piada que circulava era de que o Mimi's era famoso entre os serviçais do Bergère. É bem verdade que observei Carmem saindo algumas noites com homens da alta classe, provavelmente antigos clientes, mas isso fazia tempo. Aquela jovem mulher passou da glória para a decadência tão assustadoramente rápido, de forma que eu não sabia se me intrigava ou se devia me abster de saber como deixou de ser uma aclamada dançarina do Bergère para assumir os encargos de meretriz, abandonada naquela ruazinha de Paris.
Algumas vezes chegou com rosto inchado e braços machucados. Os rumores na porta do cabaré era de que ela havia se metido em confusões com o pessoal do antigo emprego. Por mais que eu exigisse por explicações para que tomasse as providências necessárias com os vândalos que ousaram agredí-la, ela nada me explicava, me vencia pelo cansaço - ou eu que não teria coragem de realmente saber das mazelas que envolviam sua vida - e dormia como um anjo em minha cama, como se lá estivesse protegida de toda a maldade com a qual lidava constantemente. Tínhamos uma espécie de amizade, se houvesse como desejar apenas isso com uma mulher como ela...

- Não ia se despedir?
Não, não ia. Estava ali, de pé, no corredor de paredes verdes do pequeno prédio, esperando pelo elevador, que surpreendentemente ainda funcionava.
- Camille! Olhe pra mim.

 Continua.
É que tanto tempo sem postar, e com esse texto parado,cabe mostrar algum resultado. É, também, que ninguém vai ler o conto inteiro quando sair mesmo.

Da finalidade próxima

Não escrevo pra ficar bonito, não. Minhas dores não são espetáculos para público aberto. Minhas alegrias não são para serem surradas no sentimento alheio. Mas se elas couberem num silêncio complascente, como cais pra uma alma aqui ou ali ancorar e sentir-se menos só, que seja, e esse lugar fica um pouco mais feliz, que eu escrevo é a pedido da alma, pra ser e tornar mais humana.

Bossa confusa do amanhã

Amanhã
há de ser
há de ser, eu não sei
Mas amanhã será
ah, isso eu sei
amanhã será
amanhã

Amanhã de manhã
há de raiar a alegria
e se feliz não for, menina
há de ser outro dia

E do lado de cá
tem gente
e do lado de lá
também
Tá sujeito ao mundo, menina
todo mundo que é alguém

E se eu parar
o mundo não para junto
e mesmo que acabe o mundo
acabando ele estará, sem parar
Será que você me entende?

Será que nessa gente tanta
toca aquela banda bamba
Será que essa gente sente?
Será que nessa gente tanta
há gente o suficiente
em cada um?

Ó, não sei, mas ó

Ó moça, olha só
pra quê tanta pressa
tanta troça, tanta prosa
em vão

Deixa pra lá
essa fossa
toda a bossa
essa volta tanta
em volta do seu labirinto
Sabe
não precisa essa pressa
tanta reza
tanta testa enrugada em dor
e espera

Vem pra cá
que aqui tem
mais coisa assim
feliz, em paz
afinal o que te trás
aqui
assim
Deixa ser e seja
mais com calma
com mais alma


Dessas coisas piegas, clichês

Abre o caminho
seu corpo nu
escorregadio
Recolhe as partes de mim
o meu porto e meu navio
Reconhece em mim,
no meu olhar
a semente do meu ser
e faz dela reflexo
no teu mar
Desprender do passado
pro futuro começar
Amar.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Mata atlântica

dos meus rochedos
eu quase salto
no vazio de você
cairia e não retornaria
alma nenhuma,
coisa alguma viva
nem o pó, nem o pó

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Jack Kerouac sacando minha espiritualidade

"[...] Ele comeu o queijo e o pão e tomou o vinho com gosto e gratidão.  Lembrei-me do verso no Sutra do Diamante que diz: 'Pratique a caridade sem ter em mente nenhuma concepção a respeito da caridade, porque caridade, apesar de tudo , não passa de uma palavra'. Era muito devoto naquele tempo e praticava minha devoção religiosa quase à perfeição. Mas, com o tempo, acabei ficando um pouco hipócrita em relação à minha pregação, além de me sentir um pouco cansado e cético. Porque agora estou tão velho e tão neutro... Mas naquele tempo eu realmente acreditava na caridade e na gentileza e na humildade e no zelo e na tranquilidade neutra e na sabedoria e no êxtase, e acreditava ser um antigo bhikku com roupas modernas vagando pelo mundo (geralmente percorrendo o imenso arco traingular de NOva York até a Cidade do México e até São Francisco) para fazer girar a roda do Verdadeiro Significado, ou Darma, e conquistar méritos próprios para me tnrasformar em um futuro Buda (Despertado) e um futuro Herói no Paraíso. Ainda não tinha conhecido Japhy Ryder, isso aconteceria na semana seguinte, nem tinha ouvido falar de nada parecido com "Vagabundos do Darma" apesar de naquele tempo eu ser um perfeito Vagabundo do Darma e me considerar um andarilho religioso. [...]"

- Os vagabundos iluminados, Jack Kerouac, pág.8

quinta-feira, 26 de julho de 2012

A gente, juntinho

Saudade de rolar nos seus lençóis, e olha que ainda é quarta-feira. Tô a fim de sentir o seu cheiro, me debruçar no seu peito nu e ver o seu sorriso tão lindo e tão seu despontando.Tô querendo tomar banho no seu chuveiro, com direito a água e corpo quente, com você jogando a toalha sobre os meus ombros, pode? Te ligo amanhã, na sexta a gente se vê. Tô querendo um pouco mais de você.

Parada

Era uma lanchonete de beira de estrada. Era inverno, e o dia estava começando a escurecer. De repente entrou um rapaz pela porta de vidro. Vinte e poucos anos, usando um casaco azul-escuro aberto, blusa lisa e calças jeans, nada demais. Era bonito, até, mas nada que chamasse a atenção. Foi direto para o caixa, comprou um maço de cigarros. Parou no balcão e começou a abrir o maço, encarando as placas onde se lia o que a lanchonete oferecia.
- Ei, você. Não é permitido fumar aqui.
- Tranquilo.
- Vai querer alguma coisa?
- Não, obrigado.
Saiu pela porta guardando o maço no bolso de trás e tirando um isqueiro. Ficou do lado de fora, fumando por alguns minutos. No início andou em círculos algumas vezes, depois sentou-se. Os olhos na rodovia, nos ônibus estacionados, nas pessoas que passavam pela porta de vidro. Pouco tempo depois entrou no ônibus, que o tempo da parada tinha acabado.
E é só isso. Um rapaz na parada da viagem. Mais um entre vários outros rapazes, e moças, e crianças, e senhoras, e velhos, que param na beira da estrada por vinte minutos ou menos, e eu fico aqui pensando as histórias que cada um teria pra contar. Fico imaginando quanto pensamento surge e se dissipa ali, debaixo da luz branca ofuscante; quantas dúvidas e quantos medos, quais sonhos e que saudades brotam na cabeça dos que se olham no espelho do banheiro das lanchonetes. Penso em quantos encontros ocorrem e não se completam na porta de vidro. Quantas almas perambulam nas estradas, quantas estrelas sorriem e morrem no céu que as pessoas olham pelas janelas dos ônibus e carros e caminhões, ou a pé ou de bicicleta. Quantas paisagens os olhos humanos já viram... Imagino quantos são os filhos abandonados, quantos quilômetros se fizeram de história, as memórias que são combustível dos viajantes. Fico imaginando quantos amores são esquecidos na poeira da estrada, quanta gente com a esperança renovada. Fico pensando em quanta vida cabe dentro de uma lanchonete de beira de estrada.

Da felicidade nas pequenas coisas

Comer bolo de chocolate na cozinha de quem você gosta após uma transa gostosa e um banho quente: é disso que são feitas as pequenas felicidades.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Sobre tapetes, amor e cebolas

Chorava, mas chorava por dentro, porque não lhe restavam lágrimas pra escorrer.
Pedro estava ali, em pé na cozinha apertada, cortando cebolas enquanto via o dia virando noite no céu. Estava cortando cebolas, e não caía uma lágrima sequer. Já não havia mais lágrimas, havia gastado todas, uma a uma; uma pra cada minuto de felicidade que tivera ao lado da mulher que amava tanto tanto, uma para cada minuto de silêncio que fizera desde a sua morte.
Se pudesse chorar, chorava porque estava a remexer no armário em busca de um comprovante e acabou encontrando o ingresso do primeiro filme que viu com Letícia no cinema, no dia em que se conheceram. Na verdade, que não viu.
Ele estava à caminho da sala de cinema, quando viu o ingresso no chão. Pegou, deu uma olhada em volta. Uma mulher estava poucos passos à frente, observando os cartazes. Com licença moça, é seu? A moça olhou para trás com seus olhos enormes e castanhos, e Pedro nunca viu coisa mais bonita desde então. Desde a boina vermelha cobrindo parte dos cabelos pretos até a sapatilha colorida, era 1,68 de encanto. Encarou o bilhete e balançou a cabeça negativamente. É que achei no chão, e você estava perto, pensei que fosse seu... Não, na verdade eu acabei de sair desse filme. É mesmo? Eu estou indo assistir agora! A moça olhou com engraçados olhos de dó: é uma porcaria. Bem, talvez alguém tenha recebido esse aviso à tempo e desistido de assistir, disse Pedro apontando com a cabeça para o ingresso. A moça riu. Provavelmente! Pedro ficou satisfeito por tê-la entretido, e então se achou ridículo por isso. Mas era bem verdade que queria estender a conversa para ter mais alguns minutos com ela. Tinha um cheiro maravilhoso, provavelmente do perfume, e Pedro pensou em perguntar o nome. Não, que pergunta besta que seria! E se bobear ela vai achar que sou gay. Não achando nada que coubesse dizer, pensou que era melhor se apresentar logo. Sou Pedro. Letícia. Quando ela já se virava para ir embora, Pedro soltou rapidamente, como a última respirada: não quer me acompanhar? Já que o filme não valerá a pena, seria bom conversar com alguém, e esse ingresso acaba tendo um fim mais digno. Letícia achou engraçado e acabou aceitando. O nome do filme nem vem ao caso, nem mesmo assistiram. Conversaram durante o filme inteiro, riram muito, saíram antes para não serem expulsos, riram disso também, prolongaram num bar e trocaram telefones. Depois viriam muitos outros filmes, muitas conversas, muitos beijos e sexo e brigas e reconciliações e viagens e mais brigas e mais sexo e muito amor.
O travesseiro ainda tinha o cheiro do perfume de Letícia. A nostalgia que aquele aroma despertava variava de nuance ao longo do tempo, de acordo com o humor e a dor de Pedro.
Nos primeiros dias, era um conforto, como se ela ainda estivesse ali, como se a sua ausência não fosse eterna. Se era cedo da manhã, Pedro acordava sentindo aquele cheiro, e era como se Letícia tivesse ido na padaria comprar pão e logo estaria de volta. Se era noite, ela estava no cinema com as amigas. Se era madrugada, Pedro fazia esforço para pensar que ela atrasou, que esticou a saída num barzinho qualquer. Não, não um qualquer, que fica muito irreal. No Bar do Tito, que a cerveja era barata e o próprio Tito oferecia um conhaque por conta da casa para Letícia, que gostava tanto de aquecer o corpo e a alma.
Mas os dias foram passando, e a ficha foi caindo: ela não volta. Não volta não Pedro, para de teatro que o único a quem engana é você mesmo. Daí o cheiro passou a zombar dele, todo dia quando acordava, toda noite quando deitava. Queria jogar fora, mas pensou em todos os argumentos para não fazê-lo. Não podia simplesmente ir parar no lixo, seria um desperdício. Pensou em passá-lo adiante para algum amigo, mas que homem fica em paz enquanto outro dorme satisfeito sentindo o cheiro de sua mulher? Contudo, não podia doá-lo à alguém na rua, porque... bem, se não pudesse imaginá-lo sendo usado por um amigo, quem dirá um desconhecido! É, estava sem opções, teria que manter aquela lembrança ali, afinal.
Depois a convivência com o travesseiro ficou mais fácil, não porque Pedro aceitara melhor a perda, mas porque o tempo, como faz com todas as coisas,fez com que o perfume dissipasse pouco a pouco.
Aí Pedro pensou no quão voláteis são a coisas, e no quanto isso era frustrante e ridículo.
Ridículo era também que Pedro estivesse ali, picando cebolas para cozinhar um omelete às cinco da tarde, porque fazia duas horas que acordara, e tinha gastado todo esse tempo olhando para a ponta do tapete da sala. Acordou ao lado do maldito travesseiro, faminto, e no caminho da cozinha tropeçou no tapete indiano que Letícia tinha escolhido dois anos atrás, em uma venda de quintal que obrigara Pedro a ir. Quando tropeçou, fez virar a ponta, onde se viam alguns dos vários tracinhos azuis.
Letícia tinha mania de fazer uma marca com caneta do lado contrário do tapete sempre que tinham uma transa boa. Sabe como? Daquelas que começam na porta do apartamento. Ou que começam na cama, mas terminam na sala. Daquelas de orgasmos memoráveis. A primeira vez que desenhou um tracinho no tapete, Pedro estranhou. Nossa vida sexual é ótima, até parece que vai marcar só umas vezes. Não, marcaria várias. E justamente porque o sexo era bom e constante, Letícia dizia que era importante marcar, que era pra não perder o hábito, pra manter viva a mágica. Uma vez Pedro broxou, ficou sem graça, disse que isso nunca acontecia, Letícia finjiu acreditar, Pedro jurava que era verdade, e ela encerrou o assunto e pediu que ele deitasse em seu colo. Pedro reclamou que ela só estava tentando o fazer sentir melhor, Letícia riu. Não está funcinando? Até que estava. Conversaram intimidades e trocaram confidências, e acabou que foi a melhor broxada da vida de Pedro. Nesse dia, Letícia fez uma marca especial no tapete, no que Pedro protestou. Está zombando de mim! Vai marcar isso aí pra lembrar que eu sou broxa? Você não é broxa, você é o amor da minha vida. Você broxou, e isso ainda vai ser motivo de riso, deixe de ser bobo. Estava certa: Pedro hoje olha para a marca, e ri-se. Como não ria fazia muitos meses, desde que Letícia passou a ser um restinho de perfume no travesseiro, umas marcas de caneta azul no tapete, um ingresso de cinema, e tantas lembranças mais que faziam Letícia viver no dia-a-dia de Pedro. Nas lágrimas de Pedro. Nas cebolas de Pedro. No coração de Pedro. E Letícia não morreu nunca mais para ele.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Metade num canto da cidade

"Eu deixo a porta aberta
Eu não moro mais em mim..."

Tomava uma cerveja long-neck sentada no pequeno banco ao lado da árvore, num canto da cidade.
"Eu perco as chaves de casa, eu perco o freio"
Ouvia o burburinho leve das pessoas sentadas nas mesinhas do bar e o som alto e aconchegante da banda que tocava MPBs.
"Estou em milhares de cacos, eu estou ao meio.."
Deu um gole rápido na cerveja
Catou o cigarro que descansava no banco ao lado de sua perna,
deu três ou quatro tragos lentos,
observava a ponta queimando devagar e iluminando a paisagem à sua frente, cintilando os copos de chopp e ofuscando a vista; os contornos, os rostos...
"Onde será que você está agora?"

Do ônibus, numa quarta-feira fria

O céu branco cobria a cidade e clareava a alma das pessoas que debaixo dele viviam, dissolvendo a rigidez do cotidiano e permitindo a elas sentir. Isso ou aquilo, qualquer coisa enfim, qualquer coisa assim, que não se ousa sentir numa quarta-feira à tarde; afinal a vida tem que andar...
As nuvens formavam-se como leite, cremoso e de repente vaporizado.
Misturavam-se as pequenas e de contorno nítido com as disformes que se espalhavam em cauda branca e suave.
A luz pálida envolvia um misto de serenidade e tristeza, de hoje é dia de pensar, e pensar nas lágrimas que não deixamos escorrer na correria do dia.
Era o platinado do céu invadindo o panorama prateado: as almas das pessoas dos prédios estavam leves, como que se soltando do concreto, e se preparavam para ao longo daquele dia arderem pratas até descorarem.
E o dia seguinte irá colorí-las novamente, amém.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Way over yonder in the minor key

Acordamos com nossos corpos alvos e nus embaraçados em meio ao lençol branco.
Raios de sol entravam pela janela, que estava aberta desde o calor da noite que passou.
Na mesinha de cabeceira, uma calça jeans, algumas moedas fora do bolso, um copo d'água, um celular desligado e uma camiseta branca de seda.
Ele direciona o olhar para mim por um instante, e desponta um sorriso leve, daqueles que os olhos acompanham... Levanta, esbarrando, sem querer, os pés na calcinha de renda na beirada da cama. Anda em direção à cozinha, desviando das coisas espalhadas pelo chão: o abajour, o casaco amarelo, dois anéis, a jaqueta de couro preta...
Permaneço na cama por mais algum tempo, até o cheiro de café invadir o quarto. Visto a camiseta de seda e sigo para a cozinha, ouvindo o tilintar das xícaras. Ele acabou de pôr o bule na mesa. Nos servimos de café e atravessamos a porta em direção à varanda da rústica casinha, os pés descalços no chão de tábuas.
Nos aproximamos da cerca, ele senta numa cadeira ao canto e eu me apóio no braço.
Contemplamos em silêncio a paz à nossa volta: a sutileza dos raios de sol no campo vasto e verde, o orvalho sobre a grama, a brisa fria da manhã, o som da água nas pedras do pequeno riacho ao longe...
Eu penso no que ele disse uma vez, que podia viver assim a vida toda...
À esquerda, estacionado de frente para a casa, o velho impala azul e bege, cobertores e malas no banco de trás.
Ele toma o último gole de café, repousa a xícara no canto da cerca, levanta-se, e caminha em direção ao carro, suas costas expostas, a pele clara contrastando - ou seria combinando - com a paisagem ao redor e me trazendo o conforto novo de sempre.
Senta no banco da frente, retira do porta-luvas uma chave-extra e tenta dar a partida, em vão. Ele dá de ombros e sorri pra mim. Remexe então na lateral da porta, e tira um maço de cigarros. Acende um e dá uma tragada rápida, olhando em minha direção: um convite para acompanhá-lo.
Entro, pego o velho cobertor xadrez no banco de trás e coloco pra tocar um CD de músicas selecionadas. Está nos segundos finais de Way Over Yonder in The Minor Tree, a última que ouvimos na viagem de vinda. Pulo algumas faixas e Beatles começa a tocar: When I'm 64. Encosto a cabeça nos seus ombros e pego o cigarro entre seus dedos finos e cálidos. Dou uma tragada lenta enquanto observo a ponta queimar laranja, e devolvo. Ficamos ali, meu corpo escorado no dele, no Impala em frente à pequena casa de madeira.
Alguns cigarros depois, estamos abraçados ao som de Anna, e ele faz uma ou duas piadas infames. Quando Blackbird começa a tocar, já estamos no banco de trás, corpos juntos, as malas jogadas ao lado, na grama fria. Deslizamos para fora e deitamos nus sobre o cobertor no gramado, e deixamos que o sol do meio-dia acalente o nosso sono.

Eu acordo antes.

Pêndulo dos desacordos

Os seres humanos oscilam tanto entre a maldade e a bondade em um único dia, que não sei como não ficam tontos.
Mas que passam a ver a vida de forma mais torta, ah, isso sim...

quinta-feira, 28 de junho de 2012

O caso

Não dedico odes à calmaria.
Quero o meu coração pulsante, como se fosse melodia interminável.
A vida, entretanto, não é infindável.
Uma hora, o sopro do ocaso apagará minha chama da alma.
Ficarei vazio.
Olhos opacos.
Mente quieta.
Ao pó retornarei.
Ninguém ouvirá mais os meus passos.


terça-feira, 26 de junho de 2012

Baile eremítico

Ficamos dançando, eu e você. De um lado pro outro; para o bem e para o mal.
Flertam umas com as outras as nossas palavras, nossos textos, na sincronia exata como os guatemalenses em um ritual esperando pelo sangue jorrar.
Dançam os nossos dedos nas costas nuas, ah, só em sonho, só em sonho. E nossos sonhos dançam a nossa esperança. E dançam um foxtrot as dúvidas aflitas, tantas visões ardidas.
Mas toca no salão a balada do amor inabalável, embalando o jogo entre nossos desejos e deletérios; dois lobos se estranhando na clareira circular. Faz-se valer essa ordem torta de ataque-e-defesa, vai ou não vai, chove e deixa escorrer na janela dos olhos. Ficamos assim nós, sem saber cada um o quê, nesse baile eremítico dos nossos brios perdidos nos embaraços e labirintos do desejo. Que arde, e eu sei.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Livrando a voz da minha mente. Ou seria o contrário?

"Se taire
tu m'en as tant dit, plus rien ne m'étonne
Se faire des serments muets, des promesses aphones
Les mots de trop
il faut se taire"

Não se calava aquela voz do peito que quase já não era mais meu.
Repetidamente clamando meu nome, com ar de graça, mas tão verdadeiramente.
Ah, quase uma chacota, eu diria, se não fosse meu amor inacabável para defender a tão desengonçada voz, alegando que ela nada mais - nem de bom, nem de mau - queria além de proclamar meu nome, niilista e só.
Ah, essa tão aturdiante voz fez-se mais baixa por um tempo breve, ali, na Prudente 780.
Nunca tinha conseguido praticar completamente o desapego até então.
Pois bem, o apego desejoso, que envenena a mente e então o coração, era algo do qual não conseguia me livrar por um tempo ínfimo que fosse suficiente para me orgulhar.
Isso porque eu não imaginava aquela voz desejando ser feliz; desejando afastar-se do sofrimento no qual todos estamos mergulhados, mais com o qual ela, em especial, mantinha perigosa relação.
Era-me inconcebível que aquela voz tão melancólica pudesse mudar seu tom, espontanea e objetivamente em direção à felicidade. Não, o dono daqueles lábios pandorísticos de onde irrompia a voz que me corroía  precisava de mim para impedi-lo de sucumbir ao seu psicológico torto e sombrio. Aqueles olhos de incomparável poética brilhariam somente enquanto refletissem a luz do meu espírito, como não?
Há, que utopia absurda! Que pensamento errado, de raízes egoístas e mesquinhas!
E foi ao perceber essa lógica desmedida, esse sentimentalismo vacilante, que eu me livrei das grandes amarras que me prendiam à voz do Gato de Cheshire, pelo menos por enquanto.
A voz é livre para ser feliz ou triste; é capaz de se autodominar, seja no cantar das virtudes e loucuras do mundo ou no seu hobbie de me perturbar.
Diga-se de passagem, as perturbações são todas fruto da minha mente, tendo a voz em si só chegado até mim pela vontade de minha mente de projetá-la em ângulos aflitivos.
Com isso, sei o que preciso sobre a voz que está à um celular de distância:
 dessa voz impregnada nos meus sonhos e vazios existe apenas a lembrança. E por mais viva que eu queira mantê-la, o passado não vive de lembrar de mim.
E como ensinam algumas tribos indígenas, que não permitem que suas vozes sejam gravadas, pois suas vozes são seus espíritos, e seus espíritos devem ser livres, e não enjaulados em máquinas;
pois bem, deixarei o espírito daquela voz livre, ou melhor, assim minha mente o verá: finalmente, como és.

"Nos langues se fatiguent, ménageons les pour"
Dentro do ônibus, recebendo os primeiros raios da manhã, escuto repetidamente, como uma carta à humanidade que acorda ou dorme, vive ou morre:

"Enquanto os homens exercem seus podres poderes, motos e fuscas avançam os sinais vermelhos
e perdem os verdes. Somos uns boçais...

Queria querer gritar setecentas mil vezes como são lindos, como são lindos os burgueses e os japoneses, mas tudo é muito mais...
Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica, que sempre precisará de ridículos tiranos?
Será, será, que será? Que será, que será? Será que esta minha estúpida retórica terá que soar,terá que se ouvir por mais zil anos...

Enquanto os homens exercem seus podres poderes, índios e padres e bichas, negros e mulheres, e adolescentes fazem o carnaval...
Queria querer cantar afinado com eles; silenciar em respeito ao seu transe num êxtase; ser indecente,
mas tudo é muito mau...

Ou então cada paisano e cada capataz, com sua burrice fará jorrar sangue demais nos pantanais, nas cidades, caatingas e nos Gerais...
Será que apenas os hermetismos pascoais, e os tons, os mil tons e seus sons e seus dons geniais nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais...

Enquanto os homens exercem seus podres poderes, morrer e matar de fome, de raiva e de sede são tantas vezes gestos naturais...
Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo daqueles que velam pela alegria do mundo...
Indo e mais fundo, tins e bens e tais..."


E aí me espanto com minha capacidade de seguir com o dia depois desse ritual.

I heard my name, did you call me ?
Did you speak truth, when you dug wounds,
When you spilled blood, did you say love ?,
When you promised the most high,
You will not betray

Do you love me now?
Yes, it's heavy on my heart to communicate,
Absentminded on the earth devoted to sin,
Not knowing i'm dead,
Your phrases are highly majestic,
I am amazed by your great linguistics,
Yet your words are placed together
To sell dubious manifestoes,
The end is devastating, barrage of lies,
Your words are sweet enticing but false grandeur,
Still i go, i go to the foutain where waters flow,
Where the truth uprises there i will grow now

Do you love me?Do you love me?Do you love me?Do you love me?
I will grow
I know i have never been found,
It is dark for we are all blind,
In solitude we know god
In public we do not act god,
Is it destiny is it mean to be,

Do you love me now,
Now that everything has been said and done,
Do you love me, now that i function in your madness,
Do you love me now, for your love is so cold,
Oh sodom and gomorrah caution
Do you love me, now that i am no longer me

sexta-feira, 11 de maio de 2012

"Nossos domingos estão criando expectativas quanto a nós, e não o contrário.
Aposto que eles estão protelando nossa tarde calma e quentinha puramente por diversão."

Extraído de um diálogo reconfortante e bem-humorado na minha quinta-feira à noite.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

"Olha. o homem aranha passou por aqui!"
Foi o que eu ouvi hoje cedo de uma criança que olhava as marcas de tiro no vidro estilhaçado do supermercado.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Black Orchid Doom

Tinha o convés mais negro de todo o mar e mundo
Mais negro que o âmago de um corvo agonizante.
Quimera dos amantes, o Black Orchid Doom
 era coberto de lendas e delírios de homens;
muitos que nem sequer chegaram a avistá-lo;
outros que, em toda a vida, nem mesmo puseram os pés do litoral.
Alguns ousavam dizer que flutuavam ao redor de seu casco
rútilo pó de pérola, farelo das almas que carregou consigo
nas vezes que ancorou.
À bordo, uma unica tripulante;
o corpo mais bonito do mar.
Os olhos mais sombrios que qualquer coração já viu.
De pele alva e cabelos negros e compridos,
capazes de em suas tranças prender 100 homens de uma vez.
Bastou que um em especial - com nada de tão especial assim
além de traduzir em seus olhos todos os mistérios do mundo -
permitisse a ela mergulhar em seus segredos por alguns segundos ou meses (ela mesmo não sabe)
antes de desvanecer na poeira da vida
para que tal esfíngica mulher se dotasse fadada a vaguear pela noite pelágica.
Na décima primeira noite de desamor,
ela se jogou em alto mar
E desde então não viu mais dia,
conduzindo pela noite afora seu soturno navio
carregando seu desalento no peito como se faz com amuletos
com a certeza de uma única vez por ano ancorar
e nessa única vez levar todas as almas masculinas do porto
que ousarem encarar seus olhos de sereia-edaz.
Nessas madrugadas, gritos abafados eram seguidos de um silêncio peculiar
que era quebrado pelo ora arrebatado, ora fatigado pranto
de tantas mães e esposas; filhas e amantes
Pranto este que inflava as velas do Black Orchid, que retomava seu rumo
Para além disso, a capitã desse implacável navio
tinha diante de si tão somente o balançar e chiar das águas,
e guiava-se unicamente pelos cândidos caminhos de estrelas do escuro céu
Até o fatídico instante em que o vazio do mundo tomou, por completo, conta de seu ser - se vivente podemos chamá-la
Seguir observando a enormidade estelar já não lhe era suficiente
O que conheço até então nunca prestou serventia, ela dizia
Nada havia que soprasse em sua alma júbilo qualquer
A própria tristeza,  toda a melancolia acumulada, nem sequer alterava-lhe a feição
Não havia nela, de fato, qualquer coisa que ainda ardesse viva
pelo mundo no qual perambulava
O mar, portanto, não era mais caminho
Mas o espelho do mundo que ainda estava por adentrar
Espelho que ela mirava fixamente, ali em pé e descalço,
nas bordas da popa do navio
E depois de um suspiro demorado
Ela mergulhou no abismo de estrelas
e afundou nas ondas do mar
Da proa do Black Orchid Doom podia-se ver,
se ali houvesse alguém para ver,
o mais belo corpo da noite
se afogando em suas contelações
e sumindo na escuridão do mar.

Carta deselegante aos conformistas

Minha quinta-feira não é comportada, dormir as 21h depois da novela. Eu quero e vou sim, dormir só quando cansar, faço parte da noite enquanto ainda não é dia, e se o dia chegar e enquanto eu me aguentar de pé, vou viver, e vou viver muito,vou viver tudo. Ah porque você tem coisas demais na sua agenda, você quer abraçar o mundo com as pernas... Se minha cabeça ainda aguenta o mundo, quiçá minhas pernas! E não me venha com lelelê de que amanhã acorda cedo e você não pode dormir à tarde, e você não pode almoçar sem ser meio-dia, e família é pai e mãe e tudo mais da propaganda de margarina, e você não pode ser nada além da etiqueta produzida pela indústria massificada do mundo dos normais. O normal não existe; o normal é um apelido absurdo que inventaram pra quando falta a genuinidade. Se pra ser eu dependesse dos outros serem, o que seria de mim? Ser nada. Ser-nada.

E não me venha com essa que de dia as coisas são mais claras limpas e seguras, que a noite é dos desvairados e mendigos, das putas e dos pobres. Bandido também é gente, puta também é mulher, e tem mendigo mais humano que muito boyzinho universitário. E de dia tem muita sujeira! Ah porque tá todo mundo de banho tomado e bem dormido ah vá! Todo mundo tem problema, um parente complicado, uma frustração pessoal, um vício e pensamentos sórdidos de vez em quando. Se você não tem, você não está vivo. E se você está vivo, meu rapaz, você ganhou a oportunidade no lugar de milhões de espermatozóides aflitos. Honre-os: não fique só na linha medíocre do sobreviver!

Não me venha falar que tenho que ser uma senhora advogada juíza de sucesso porque faço Direito. Se eu quiser perder dinheiro ajudando quem não tem mais de dois sapatos, não venha falar que eu não consigo e que não vale a pena se doar assim, eu acho muito digno e ainda sou humana, obrigada por perguntar. Aquela que resolveu mexer com sapatos, coitada, foi ridicularizada por quase 50 cabeças dentro da sala de aula. Eu quero mexer com sapatos. Alguém tem que querer ser responsável pelas luzes. Alguém tem que ser a favor ainda da alegria. E não é alegria controlada não! Isso de só ser feliz no fim de semana, de descansar só nas férias na praia, de ter amigos só no mural do facebook. Alguém tem que garantir que a música não morra em frases monossilábicas que o dinheiro comprou. Alguém tem que por cor no cinza das ruas e dos olhares. Alguém tem que fazer chover nesse mundo seco.  E quem disse que eu vou morrer de fome? E se eu morrer, o problema é de quem? Se você for morto com um tiro de bandido, morreu também, e nem por isso foi mais feliz. Ou vai ver foi. Não tenho nada contra os doutores e excelentíssimos, mas por favor não sejam mais hipócritas! O vendendor de jornal não é menos que você, ciências sociais, cenografia e cinema são cursos de graduação como todos os outros são, e arte não é coisa de hospício; hospício mesmo é esse todo-dia nosso.

E vá pra putaquipariu quem diz que o mundo é assim e pronto, que eu tenho que sentar calada e assistir a degeneração da raça humana e o assassinato do amor. Quem diz que os sentimentos já foram a muito vencidos pelo dinheiro e pela fama e pelo cansaço, que vá ser máquina em outro lugar, longe do meu coração que ainda bate.

No meu domingo não tem Igreja, e isso não faz da minha espiritualidade motivo de chacota ou desprezo.  Respeito é bom, e todo mundo gosta. Sempre. Vá à merda com seu deus que proclama a guerra e a discriminação, e vê se sai de lá menos sujo e menos cruel.

Eu ando muito calma, sim. Mas não tenho sangue de barata: tenta me moldar, pra você ver! Sai julgando o mundo inteiro, você que é dono da razão! A bandeira da passividade não pode ser balançada, e o comodismo é o ópio desse mundo que tem os olhos tampados pela próprias mãos.
Aqui dentro fervilha mil coisas, e minha tolerância tem limite bem definido: deixa ser. Eu e os outros. Porque se não for, e aí? Nada será.
O dia em que o mundo for vitrine de rostos bonitos, de gente higienizada e politicamente correta, sem vícios e sem vontades, à serviço de não-sei-quem não-sei-pra-quê, obrigada por nada e eu prefiro partir!

E três vivas aos que permanecem e renascem na luta contra a mediocridade! Estão tentando amordaçar a diversidade e assassinar a humanidade que no resta, mas tem ainda muito circo pra pegar fogo!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Get by



A música mandou meu peito doer até que eu enfim não me segurasse mais. Levantei e fui.
Hoje eu fui lá e você não estava. Você não mora lá.
Mas seu coração bate lá, eu sei...
Respirei a sua falta ali, a sua presença em mim, e continuei.
Procurei um rosto entre todos os rostos dentro de todos os ônibus.
O sol hoje me deu uma vontade estranha de chorar.
Mas as margaridas da praça não dependem de você para florecer.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O que acontece quando inovação, boa fé e cultura caminham juntas

Financiamento cultural sem comprometer a autonomia

Plataformas de crowdfunding começaram a se espalhar pelo Brasil desde o início deste ano. A ideia nada mais é do que a reinvenção contemporânea da famosa vaquinha, só que desta vez baseada na internet e destinada a bancar projetos culturais independentes
por Lucas Pretti
(publicado originalmente no jornal “Le Monde Diplomatique Brasil”, junho 2011
http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=955)
ilustração de Allan Sieber
Dinheiro é sempre o problema dos produtores culturais, seres estranhos estes – afinal, quem mais sente prazer ao tentar o equilíbrio (talvez) impossível entre manifestação artística genuína e viabilidade comercial? Até pouco tempo, havia no Brasil três saídas para o problema “quem banca a minha arte?”, todas com algum nível de contradição: ficar atento aos editais públicos (migalhas do orçamento distribuídas a alguns poucos felizardos); convencer empresas a reverter parte de seus impostos via leis de incentivo fiscal (e submeter o projeto aos interesses da marca); ou “empreender” (o que, em muitos casos, significa “vender cerveja no bar do teatro para produzir a peça”). Tudo muito duro e absolutamente ligado à sorte de ser escolhido por comissões duvidosas, ter amigos ou parentes influentes nos departamentos de marketing ou atrair alguns bacanas para comprar a cerveja salvadora.
Mas eis que veio a internet, tempos estranhos estes – afinal, quando mais houve tanta semelhança entre questionar e pertencer ao sistema? Ter uma ideia relevante, conseguir espalhá-la pelos nichos de interessados no assunto e falar, falar, falar, foi a possibilidade que a sociedade em rede proporcionou aos produtores culturais. A febre recente no Brasil dos sites de crowdfunding mostra que o futuro e a garantia das produções brasileiras independentes (talvez) estejam exatamente na comunicação entre pessoas em rede.
A tradução literal de “crowdfunding” é “financiamento pela multidão”. Lógica simples, nada mais que a reinvenção contemporânea da vaquinha. Se cada um de nós tem R$ 50, juntos podemos ter milhares de reais. Desde o início do ano, mais de vinte sites brasileiros se propõem a intermediar o contato, a vaquinha, entre criadores de projetos e a multidão financiadora.
Com exemplos fica mais fácil entender. A jornalista paulistana Natália Garcia, de 27 anos, concebeu o projeto Cidades Para Pessoas, no início de 2011, depois de pesquisar e militar durante quatro anos pela causa da mobilidade urbana e o uso massivo de bicicletas como meio de transporte em metrópoles. Ela vislumbrou a apuração profunda e a produção de dossiês-reportagem com as experiências de doze cidades do mundo na busca por um convívio pacífico da população com os carros, sem privilegiar as máquinas – e quanto isso poderia servir de exemplo, inspiração e projeto para o “desplanejamento” de São Paulo. Contatou então o urbanista dinamarquês Jan Gehl, responsável pelo redesenho de Copenhague e diversas outras metrópoles pelo mundo, e fechou, a partir dos critérios do especialista, a lista dos destinos, da qual constam, por exemplo, Roterdã e Cidade do México. O projeto duraria doze meses, um mês de vida e pesquisa em cada cidade, e consumiria R$ 25 mil – gastos reduzidíssimos, prevendo hospedagem solidária e máxima economia com voos e trens locais.
Natália poderia seguir um dos três caminhos tradicionais da produção cultural. Detalharia nome, objetivo geral, objetivos específicos, metas, justificativa, cronograma, acessibilidade, democratização do acesso, contrapartidas, orçamento etc. etc. etc. e submeteria tudo a meses de espera e mínimas chances de aprovação em editais públicos; faria a peregrinação entre empresas para convencer gente não tão interessada em repensar o desenvolvimento das cidades brasileiras e em associar a marca a algo que não geraria lucro nem teria visibilidade; ou tentaria o tal “empreendimento individual”, quase inviável neste caso: teria de vender cerveja demais…
Ela preferiu apostar em dois estudantes de administração de empresas, Diego Borin Reeberg e Luís Otávio Ribeiro, que preparavam a estreia da plataforma Catarse (catarse.me), hoje a mais antiga (tem quatro meses) e mais bem-sucedida iniciativa brasileira de crowdfunding. A dupla reproduziu no país o modelo inaugurado pelo site Kickstarter (kickstarter.com), que em abril completou dois anos de atividades nos Estados Unidos, e a realização de mais de 2 mil projetos com US$ 40 milhões arrecadados. Natália, então, produziu um vídeo apresentando seu Cidades Para Pessoas, e espalhou pela rede a tal ideia de viajar doze cidades e trazer soluções para São Paulo. Para isso, precisaria da ajuda voluntária de internautas, que poderiam doar qualquer quantia. O projeto só daria certo caso conseguisse, em três meses de campanha, juntar os R$ 25 mil. Caso contrário, os financiadores teriam o dinheiro devolvido.
Se tentarmos adivinhar pelas postagens no Facebook, neste momento a jornalista Natália Garcia deve estar pedalando por alguma ciclovia de Copenhague, isso se já não partiu para Oslo, o segundo destino da empreitada. Em noventa dias, ela levantou os R$ 25 mil e realiza agora, com independência absoluta, um dos projetos de sua vida – e que se tornou o primeiro grande case brasileiro de crowdfunding. Um trabalho jornalístico de interesse público indiscutível, financiado pelas pessoas, que só puderam se conhecer e colaborar porque estavam conectadas em rede.
Não é só bom coração
Dizendo assim, parece que todos os problemas estão resolvidos. Basta algum trabalho de divulgação na internet e, pronto, há dinheiro para qualquer coisa. Pura ilusão, ainda bem. Há duas características comuns entre os projetos que conseguiram se viabilizar via crowdfunding no Brasil, um país de cultura colaborativa por natureza, sem dúvida, mas também bastante desconfiado quando o assunto é dar dinheiro para pessoas desconhecidas. A primeira é mesmo o interesse público, a quantidade de pessoas que se beneficiaria com a realização do projeto e a importância moral de financiá-lo. O Cidades Para Pessoas é um exemplo, assim como o projeto Morar, do Coletivo Garapa, que pretende realizar, com R$ 16 mil, uma publicação e um blog com registros fotográficos dos moradores e dos escombros dos edifícios São Vito e Mercúrio, no centro de São Paulo, desocupados e em processo de demolição, num projeto discutível da prefeitura paulistana.
A segunda característica é a dificuldade que o dono da ideia teria em tirá-la do papel pelas vias tradicionais. Quanto mais improvável, mais o senso de caridade entra em jogo. Costumam comover apoiadores, pequenos empreendimentos pessoais como editar um livro, reformar um teatro, gravar e prensar CDs de música, fazer um filme. Quanto mais independência, quanto menos possibilidades, mais chance. Quando, por exemplo, a artista plástica Maíra das Neves poderia planejar que muitas pessoas a ajudariam, com R$ 5 mil, a mobiliar seu ateliê, no Rio de Janeiro, com apenas 1 m2, mas um pé-direito muito alto?
Todas as plataformas de crowdfunding funcionam com a lógica da contrapartida. Cada quantia doada vale uma recompensa ao doador, que passa também a interagir e integrar, de certa forma, o projeto. O Coletivo Garapa promete imprimir fotos e dar várias cópias do jornal aos patrocinadores. Já Natália Garcia vai produzir boletins semanais sobre a aventura nas doze cidades, e dar o livro completo ao final de um ano. E o Movimento Elefantes, coletivo de big bands paulistas que pediu R$ 1.980 para prensar CDs, vai enviar para a casa dos mecenas um álbum autografado pelas dez bandas. Isso torna a relação limpa, transparente. Trata-se sempre de empreendimentos privados, com interesse específico. Se você resolver apoiar, recebe algo em troca, como numa transação comercial tradicional. Senso de justiça muito bem-vindo num tempo em que tanto dinheiro público é usado para produções privadas, a maior aberração da nossa Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) que, em geral, acaba favorecendo o marketing individual em detrimento da necessidade coletiva.
Não é apenas assim em países como os Estados Unidos, em que a prática do crowdfunding não é mais novidade. Claro que o interesse público e a dificuldade de viabilizar entram na conta e na tomada de decisão sobre apoiar ou não um projeto. A diferença é que, por lá, já se desenvolveu um sentimento que no Brasil ainda começa a tomar forma, pelo menos enquanto a tela do computador é intermediária: ajudar por ajudar, de graça, sem nada em troca, apenas pelo prazer de ver alguém feliz realizando seu projeto. Ao escolher a quantia a ser doada, é possível optar por não respeitar a lógica da contrapartida e simplesmente destinar o dinheiro. Toda a lógica da cultura digital, da vida em rede, em comunidades, é baseada nesse tipo de confiança e ajuda mútua.
Foi com esse intuito que o Kickstarter nasceu, em abril de 2009, em Nova York, pela mão de três jovens americanos – esse tipo de “empreendedor hype” que nasce às pencas no mundo pós-Google, pregando a flexibilidade no trabalho, a criatividade, a alegria e muita grana no final do mês, sem atropelar ninguém (ou sem ninguém perceber o atropelamento). Eles inauguraram o modelo de negócio. Uma parceria com a Amazon Payments garante a segurança das transações, que rende 5% do total para os donos (e 95% para os autores de projetos).
As plataformas de crowdfunding brasileiras também não proliferam à toa. É um nicho de negócio muito lucrativo, sob a lógica de intermediação há muito estabelecida pela internet, em que o intermediário não precisa acumular tanto dinheiro nem explorar seus clientes (como fazem as gravadoras, editoras, agências e outros mal-intencionados no mercado tradicional). Ganham todos. O dono da ideia tem o projeto realizado. Os patrocinadores recebem algo útil em troca, e dormem tranquilos por terem ajudado alguém de boa-fé. E os donos do site recebem os 5% de taxa administrativa em agradecimento à hospitalidade – afinal, foi na “casa” deles que as duas pontas da produção (projeto e financiadores) se conheceram. A Estante Virtual (estantevirtual.com.br), site que possibilita aos sebos a venda de livros por preços baixíssimos, era até então o melhor exemplo brasileiro desse negócio típico da cultura digital. Para que enriquecer se eu posso apenas facilitar a vida de muita gente e viver bem? É, sim, um rompimento com a visão de mundo do capitalismo pré-internet.
Homo ludens
Em 2010, o escritor e publisher norte-americano Craig Mod já tinha escrito e diagramado o livro Art space Tokyo, um guia de arte na capital japonesa; faltava imprimir e distribuir. Menos por altruísmo que pelo interesse de ter seu projeto realizado, ele fez um estudo detalhado de como se dar bem em sites de crowdfunding, tendo como cobaia ele mesmo. Terminou por entender a lógica do comportamento de internautas quando diante de um projeto. E descobriu a palavra mágica: jogo.
Segundo a teoria de Mod, publicada em bit.ly/craigmod, a primeira regra é não deixar o orçamento do projeto alto demais. Isso traz a sensação de que o autor está buscando mais vantagens pessoais do que realmente a viabilização de sua ideia. Claro que o custo é relativo e depende muito das proporções do projeto. A recomendação é seguir o bom senso e a razoabilidade.
A segunda regra é respeitar o que a revista Wiredjá postulava em março de 2007, com a capa “Get Naked” (“Fique Nu”), cuja reportagem principal discutiu a necessidade de transparência total entre empresas, instituições e pessoas nas relações pela internet. Ou seja, não mentir. Se o orçamento é R$ 10 mil, é recomendável abrir os gastos, mostrar as planilhas, mesmo que nelas esteja o valor do lucro pessoal. Quem navega pela cultura digital não vê problema nenhum nisso. A doação é mais provável quando o doador sabe exatamente onde seu dinheiro vai parar. (E isso vale para todas as esferas da sociedade em rede, política, trabalho, relações pessoais etc., mas é outra discussão).
A terceira regra diz respeito à quantia doada por cada apoiador. Antes de formatar o seu, Craig Mod pesquisou detalhes dos últimos trinta projetos bem-sucedidos no Kickstarter e identificou um traço comum. A maioria das doações foi de US$ 50 (23% do total), seguidas por US$ 100 (16%), depois US$ 500 ou US$ 25 (9% cada). Metade dos orçamentos dos projetos veio de pessoas doando essas quantias, levando à conclusão que se pode esperar muitos doando quantias pequenas (US$ 25 ou US$ 50) e, alguns, quantias grandes (US$ 100 ou US$ 500). Pouquíssimos escolheram doar valores muito baixos ou muito altos. Adaptar o orçamento a esse comportamento foi um cuidado que o escritor teve.
A última percepção de Mod talvez seja o centro de toda a questão. Cada autor de um projeto de crowdfunding pode escolher o período durante o qual as doações podem ser feitas, ou seja, quanto tempo cada campanha vai durar. Ele optou por apenas quatro semanas – exatamente por intuir a lógica do jogo. Nas duas primeiras semanas, o gráfico do dinheiro que entrou foi muito ascendente, atingindo US$ 15 mil rapidamente. Na terceira semana o ritmo praticamente congelou, para, então, na última, voltar a crescer e atingir o total de US$ 25 mil que o escritor havia pedido no início. A conclusão de Mod é que a perspectiva do jogo, da gincana, do tempo que vai esgotar, estimula as pessoas a doar, como se fosse uma tarefa a cumprir, uma competição a vencer. Tanto que, no texto em que descreve a experiência, ele afirma que, se pudesse refazê-la, tentaria captar os US$ 25 mil em três semanas, uma a menos. É mais incendiário, mais urgente. “Em crowdfunding, campanhas curtas são mais eficientes”, diz.
Quando se fala em cultura contemporânea baseada em redes digitais é preciso ter em mente que se fala em revolução. A perspectiva do mundo conectado e da velocidade de comunicação, interação, troca, construção coletiva, fazem delirar qualquer futurólogo hippie dos anos 60, que lutava por liberdade e por uma cultura planetária interconectada. Qualquer aparelho celular, hoje, pode fazer ligações via Skype, utilizando redes Wi-Fi e ignorando as redes de telefonia celular. Na própria essência do aparelho, do produto, está sua destruição. Esse tipo de contradição é a materialização da contracultura sessentista.
O crowdfunding é mais uma cor desse delírio coletivo que a internet causa por definição, mesmo com tantas empresas e governos querendo controlar o incontrolável e lucrar como se fazia há vinte anos. O mundo em rede serve para questionar, expandir, testar os limites da ordem. Em entrevista ao projeto Produção Cultural no Brasil, o produtor Cláudio Prado, coordenador do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital, resume o que chama de atitude cultural pós-rancor: “A internet abre horizontes, possibilidades. Você vê coisas acontecendo, se estimula e estimula outros. Este é o desbunde. Eu vejo todos os dias gente com sonhos. Não tinha gente com sonhos até há pouco tempo. O sonho era arrumar um bom emprego, um bom salário”.
Na produção cultural brasileira, o crowdfunding abriu um quarto caminho, quase absolutamente puro, para levantar dinheiro e materializar ideias improváveis. Abriu a possibilidade do sonho.
Lucas Pretti
Jornalista, ator e produtor cultural,
integrante da Casa da Cultura Digital em São Paulo/SP

Retirado de http://www.producaocultural.org.br/no-blog/financiamento-cultural-sem-comprometer-a-autonomia/

domingo, 18 de março de 2012

Ando pensando que a faculdade é uma espécie de paraíso torto.

domingo, 11 de março de 2012

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Um dia

E aí a gente fica sem saber, se por ser um só, foi uma benção ou um martírio prorrogado.
Miséria ou demasia.
Sabe-se só, que não foi na medida certa.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Prece

Que venha
a hora
o prato
o pranto
a fome

Que me acompanhe
a paz
a planta
a calma
a alma

Que desejem
a mansidão
ou a transa sem colchão
Sou os dois
sou três
Quantas você quiser
Serei sua, mais uma vez
ou três

Que viva em mim
o medo
o ledo
a dor
o amor

Que você procure e ache
para além dos tortuosos desvios
em mim o lugar
para ancorar os seus navios

Convite meio aberto

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Fada verde

Dei um gole rápido, o que já foi o suficiente para que o mundo a minha volta rodasse.
Me pegou desprevenida, ainda que cultivasse em mim a certeza de que voltaria a experimentar do veneno verde.
Dei o gole que me ofereceram, falei sério e falei rindo, dancei e deixei dançar, e parti em paz.
Era o cenário envolto de microbolhas que se desintegravam no ar, pouco a pouco. Meu carnaval se dissolvia diante de mim como um comprimido de vitamina C.
Pois bem, mal começaram a dissipar de meu sangue as primeiras gotas verdejantes, e meu espírito já se pôs pronto para contorcer, buscando agarrá-las no ar, tentando, em vão, impedí-las de escapar.

Como tudo que é um dia deixa de ser, o cenário foi ficando cada vez mais distante, e a realidade dos dias que se seguem ganhando lugar. Despontava a ressaca-guerra: quando a lucidez senta diante de você e te faz encarar a notícia crua do que aconteceu, com a consciência pra por riso ou pesar no que se fez.
E por alguns instantes mais, você deseja voltar, seja pra fazer diferente ou pra puramente reviver a memória já distorcida, cujas impressões urgem - será? -  por serem melhor apreendidas.
Diante da impossibilidade óbvia do retorno, o pedido é outro: uma nova dose, mais uma vez.
É assim, uma só dose nunca é suficiente, embora ajude a matar a sede de ter tudo.

E nesse desfile de carnaval, segue o carro outorgado da abistinência.
Esse, todos sabemos, ninguém fica feliz ao ver passar; afinal, quem é que gosta da falta?
Nele o tema é a insacietude do tempo que não podemos reviver, e ele é colorido de figuras em preto-e-branco, que sambam na avenida da melancolia, marchando pungidamente pela ponta fina e metálica de saudade que não passa.
Os que acabam de entrar para esse bloco, como eu, deliram com o ruflar dos tambores.Aí tudo que era cor fica mais vívida na memória, tudo que era som eu recordava mais alto... Enfim, tudo que aquela lembrança ébria evocava eu tornava maior e mais forte, como se assim eu fosse capaz de capturar o momento da forma mais bela, e antes que ele se apagasse, eternizá-lo num quadro dentro de mim.

O Carnaval acabou, e com ele se foi o ritmo dos tambores. Desde então eu sigo descompassada, como um zumbi na avenida não mais iluminada, esperando por um norte que me guie.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

" - O falso e infeliz conceito de que o homem seja uma unidade duradoura já é conhecido pelo senhor. Também já sabe que o homem é formado por um número incalculável de almas, por uma multidão de egos. Dividir a unidade aparente do indivíduo nessas numerosas figuras é algo que passa por loucura; a ciência encontrou para esse fenômenos a designação de esquizofrenia. A ciência está certa, até certo ponto, quando afirma que nenhuma pluralidade pode conduzir-se sem uma direção, sem uma certa ordem e agrupamento. Mas, por outro lado, não tem razão ao imaginar ser possível somente uma ordenação única, encadeadora, perpétua, para a multiplicidade dos egos subordinados. Êsse êrro da ciência acarreta conseqüências desagradáveis; sua única vantajem reside na simplificação do trabalho dos mestre e dos educadores a serviço do Estado, poupando-lhes os trabalhos do pensamento e da experimentação. Em conseqüência dêsse êrro, muitos homens que passam por "normais", e até por valiosos membros da sociedade, são loucos incuráveis, e, por outro lado, muitos que passam por loucos são verdadeiros gênios. Por isso é que completamos aqui a imperfeita psicologia da ciência com o conceito a que denominamos a edificação da alma. Aqui demonstramos aos que experimentaram a destruição de seu próprio e, que podem a qualquer instante reordenar os fragmentos e com isso conseguir uma variedade infinita no jôgo da vida. Assim como o gramaturgo cria um drama a partir de um punhado de personagens, assim construímos, com as peças de nosso eu despedaçado, novos grupos com novos jogos e agrações, com situações eternamente novas. Veja só!
  Com seus dedos serenos e prudentes apanhou minhas peças, todos os velhos, jovens, crianças, mulheres; tôdas as figuras, as alegres e as tristes, as fortes e as delicadas, as ágeis e as lerdas, ordenou-as rapidamente em seu tabuleiro para o jôgo, no qual logo começaram a formar grupos, famílias, prontas a jogar e a lutar, criando amizades e inimizades, edificando todo um mundo em miniatura. Deixou desfilar diante dos meus olhos aquêle mundo liliputiano, um mundo cheio de animação mas bastante ordenado, deixou que se movesse, jogasse, lutasse, fizesse pactos, desse batalha, trocasse votos, unindo-se, multiplicando-se; era, de fato, um drama repleto de personagens, vívido e interessante.
  Logo o homem desfez o jôgo com um gesto alegre, derrubando tôdas as peças, juntando-as num monte e voltando a armar um novo jôgo com o mesmo cuidado anterior, como um artista meticuloso, com as mesmas figuras, mas em grupos diferentes, com outras interdependências e entrelaçamentos. Este segundo jôgo guardava relação com o primeiro: era o mesmo mundo, formado pelos mesmos materiais, mas nêle havia mudado o tom, o tempo, o motivo e a situação.
  E assim foi o sábio arquiteto construindo com as figuras, que eram fragmentos de mim mesmo, vários jogos, uns após outros, todos semelhantes, todos participantes de um mesmo mundo, todos submetidos a um mesmo destino, mas sempre inteiramente novos."

- O lobo da estepe, pág. 174

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Carta à minha vida que já começou

Não me serve a burguesia desenfreada nem tampouco a boêmia desmedida (se aqui eu não estou criando um paradoxo).
O mesmo Direito que é mecanismo para lutar pelo que acredito, é faculdade de dissimular e sobrepor interesses. É burocracia e frieza. Análise sem compaixão. Não sei bem se cabe ser classificado como "humanas".
E aí eu sei que não vou fazer concurso, trabalhar e ir pra casa satisfeita ou acomodada com um emprego público, uma grana boa e mil angústias no coração.
Quero ser "humana, demasiada humana", se assim posso dizer.
Quero viver da instabilidade enquanto puder. Nem que seja por pouco tempo.
Quero me embriagar nas cores dos palcos, dos figurinos, e das pessoas com todas as suas singularidades.
Quero a companhia de artistas e simpatizantes da vida.
Quero me embrenhar no mundo e visitar os universos particulares; mergulhar no que tem de externo e interno ao universo das pessoas.
Não quero viver de desapegar-me de tudo, contudo não quero me apegar as coisas todas.
Quero ser de corpo e mente livre; mas ainda com moradas aqui ou ali, onde a memória e a saudade possam descansar.
Tenho minhas esperanças, mas mantenho imenso apreço pela sinceridade, o que me deixa na corda-bamba entre sonhar e sofrer.
E aí eu concluo sem muito concluir além disso: meu fado é ser equilibrista na vida.

E acrescento uma nota de rodapé, dizendo que tenho fé que o querer é uma porta que se abre para os infinitos tramites da vida.

No PS, fica o conselho de Saramago:
"A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver."

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Carta do óbito desacertado

E ficou assim
Você pra você
E eu pra mim
A gente espera
E a esperança espera a gente
Esperar brotar ou não
Alguma coisa da semente
Cadê os gritos roucos,
Chico
Cadê os tantos beijos loucos
Já a falta
Vai pesada, vai aos poucos
Sei que vai demorar e acho bom
Guardar um pedaço de você assim
Pra ficar um pouco mais perto de mim

O tempo passa tão depressa; logo acaba, mal começa...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A ala budista do meu carnaval

"Em geral, é difícil controlar a mente. Ela é como um balão ao sabor do vento - vai de  um lado para o outro, soprada por circunstâncias exteriores."*
Buscarei então tal controle sobre a minha mente, de forma que eliminarei minhas perturbações causadas por fatores exteriores à mim.
  Na realidade, sempre pensei e agi de acordo com princípios que são encontrados no budismo, ainda que não o conhecesse à época. Já havia há muito compreendido que a paz interior, como o próprio nome conduz, é atingível pelo puro esclarecimento e pela contemplação de aspectos interiores. E portanto, minha felicidade seria independente das circunstâncias externas à mim. Tomando esse ponto como base, dedicava todos os dias um tempo para acalmar meu espírito e refletir sobre os meus pensamentos e minhas ações ao longo do dia; aquilo que hoje eu chamaria de intenção e ação; carma, em síntese.
  Ainda nessa época, muitos me diziam que eu pensava demasiadamente, e que focava demais no passado e em seus pormenores. Tanto falaram que eu fui, inconscientemente, abandonando esse hábito aos poucos. Foi uma das maiores bobagens que já fiz. Apesar de ter absorvido uma maior irreverência diante das situações, que gerava uma superficial sensação de alegria e liberdade, essa atitude era traduzida, muitas vezes, em negligência de fatores importantes para uma paz bem fundada.
Estabeleci relações frágeis, devido ao pouco empenho que pus nelas, o que, não raramente, promovia o sofrimento de outros, em maior ou menor grau. Esse e outros males - resultado do que hoje sei serem as delusões - afloravam à medida que eu me permitia ser menos rígida comigo mesma. De fato, um espírito um pouco menos preocupado, que levasse de forma mais amena as circunstâncias da vida era necessário, e ter internalizado essa serenidade me fez bem. Contudo, é preciso medir com muita cautela essa maior liberdade que me dei de esquivar da reflexão, e é aí que entra o budismo nessa história: uma retomada de aspectos que antes eu valorizava e que foram diluídos em uma nova personalidade ao longo do tempo.
 O objetivo que busco reiterar com esse texto é, portanto, desenvolver o meu espírito de modo a mesclar minha atual e nova personalidade - meus novos hábitos, desejos, motivações e propósitos - , com ensinamentos budistas, que ou retomam alguns valores os quais eu me apoiava anteriormente, ou carregam novos princípios que guiarão minha mente em direção à um estado espiritual mais virtuoso.
  Dentro dessa resolução, volto à questão inicial: colocarei em prática essa atitude, que não é totalmente inédita, porém não completamente familiar, de forma que assumirei nova postura diante dos fatores exteriores que tem causado os meus constantes desassossegos. Não mais irei me abalar por essas delusões; pois porei fim à minha pertinácia em "esposar visões errôneas" ainda sobre algumas questões, sobretudo àquelas ligadas aos assuntos do coração. Pois é minha renitência em distinguir demasiado racionalidade e passibilidade que tem me causado tanta agitação espiritual (evidenciada por meus frequentes pensamentos contraditórios), e decidi portanto não mais exceptuar o flanco sentimental das minhas meditações, ou, agora de forma mais abrangente, Budadarma.

* Trecho de "Introdução ao Budismo", de Geshe Kelsang Gyatso

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Avaaz - registro motivacional

"Não há falta de informação, mas o desafio é vivermos o nosso discurso e a Avaaz é um ótimo exemplo de encontrar a coragem e o tempo para fazer isso. A Avaaz nos faz sentir parte de uma comunidade enorme em face a tanto conflito em nosso mundo precioso. Todas as campanhas expressam compaixão e justiça, e nos ajuda a expressá-los com orgulho."

– Gabrielle Andrew, África do Sul
Membro da Avaaz

Um dos pronunciamentos a respeito das ações da Avaaz, que teve um impacto motivacional sobre mim, impulsionando o meu desejo de ser uma ativista, sobretudo voltada para os direitos humanos, ações políticas voltadas para o bem comum, e para a questão ecológica.




terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Às 6:31 quero estar dormindo

Às 6:31 ouve-se a voz do homem na rua: "ladrão aê, ó!"
Às 6:31 a humanidade já acordou.
O céu delirante de antes já cedeu, o encanto já foi desfeito.
Reina agora a névoa branca e embotada acima dos prédios da cidade.
Às 6:31 quero estar dormindo, para que seja 06:21 enquanto eu não acordar.

06:08 am

O céu prata-velho cobre a cidade.
A luz suave que anuncia a chegada do dia contrasta com o contorno escuro dos prédios.
A cidade ainda dorme.
O ar carrega um cheiro de flor que invade a minha janela, trazendo a súmula da madrugada que se foi.
Ouve-se os primeiros cantos dos pássaros.

06:12 o céu já está sendo colorido com nuvens rosa-salmão detons escuros próximos à massa cinza contígua, e claros na borda, onde se dissipam.

Às 06:15 já são de um rosa intenso, quase neon, assumindo forma de carro-chefe para o azul claro e vívido que vem ao fundo.
O céu dessa manhã é infinito em sua beleza, e gigante em sua magestade.
Traz toda a vida do planeta, antes de acordar a cidade.

Às 6:21 minha alma está pintada de rosa, e descansa às margens de um rio prata velho.
"- Não consegui dormir.
Tentei me convencer de que a causa não era o Sam.
Mas a quem quero enganar? Como posso ignorar metade da cama vazia?
Sobra tanto espaço, que não consigo ocupar.
É o espaço dele, o espaço do Sam. Pertence a ele.
De qualquer forma, fiquei acordada, mudando de canais, e encontrei um documentário.
- Sobre o que?
- A história de chutar canelas.
Não sabia que isso existia como um esporte. Por 400 anos homens tem se chutado na canela.Profissionalmente.
- O que gostou nisto?
- Nao sei... Eu não conseguia dormir."


- Private Practice, 5x11

"A saudade só existe porque a gente cultiva"

Não consigo concordar.
Chega a ser ridículo, eu discutir as minhas concordâncias ou discordâncias com o autor velado da frase.
Mas meu espírito nunca concebeu inquietude maior que a saudade.
Ela que me acompanha em tanto momentos da vida, envolvendo como um porta-retrato os rostos de tantas pessoas queridas...
Aquelas que se apresentam com mais frequência no pensamento que à minha frente devido às circunstâncias do cotidiano; algumas que propositalmente e decididamente ficaram para trás por um motivo ou outro, e outras que pura e simplesmente se perderam na poeira do tempo...
Mando um beijo por meio de estrelas, pra quem não está mais aqui.
E parafraseando, quase que citando assim, me aproximo de quem já se foi e não devia.
Penso agora o quão útil seria esse blog de poucos visitantes, e de constante acesso de russos. Os meus leitores russos podem ler a vontade, sem medo de serem assunto e descuidadamente destinatários de meus textos (e aqui abro uma exceção, que torna-se estranha homenagem).
Acontece que o autor dessa frase pode ter colocado até bastante esforço para deixá-la perfeita, e quase conseguiu, mas é que ao pôr em prática o sentir o sentido se desfaz.
Saudade a gente não escolhe e não controla, e não há como dizer o contrário.
Eu tanto fiz para aplacar essa falta, em maior ou menor grau, fazendo uso dos métodos mais diversos, dos paleativos aos definitivos... E no fim a saudade ganha, e impera apertando as fibras do coração.
Não é esse texto uma forma de pedido, não. É mais um desabafo, diria até mesmo uma carta de óbito, se não fosse pela esperança que insiste em vingar aqui dentro. Porque - e não sei o porquê - alguma coisa em mim me força a acreditar que há um destino certo e quase que inevitável para essas coisas que parecem não cessar.
Eu vejo de fato algumas pessoas do passado no porvir, como se meu eu do futuro fizesse uma visita ao pretérito, que é o dado instante em que vivo agora. Vejo laços se refazendo, de forma diferente claro, afinal todos mudamos e amadurecemos; e não há porque desejarmos que seja como antes, uma vez que as condições do passado, se repetidas, nos levaria à um mesmo fim descontente.
O que digo aqui, é que tenho fé nos recomeços da vida, alguns em particular, e isso me traz uma paz estranha, que carrega um alívio prematuro pelo regresso que ainda não ocorreu e não tem garantia de ser.
E o que me resta então, é deixar essa fé agir sobre os rostos que hoje eu vi, nas cartas e embalagens antigas, nas palavras das pessoas cujas lembraças ainda resistem ao tempo...
E por agora, tudo o que tenho a fazer é mandar um beijo por meio de estrelas, e esperar que ele encontre o sorriso de alguém.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Intimidade (dentro do se)

Estavam pela segunda vez naquela casa no interior de Minas. Mobiliário rústico, quarto escuro iluminado apenas pela luz baixa do abajour e, hora ou outra, pelo fogo do isqueiro.
Ela estava vestida com uma camisola de seda branca já soltando uma das alças. Apoiava suas costas morenas no corpo nu e alvo dele. Ele escorava na cabeceira, ocupando-a com seus longos braços, e na ponta dos dedos mais um cigarro.
Estavam em silêncio fazia um tempo.
Ela deslizou seu corpo em direção ao rosto dele, de forma que seus lábios encontraram, ao contrário, os dele.
Ele fitou seu rosto de cabeça pra baixo e deu uma tragada.
- Ficamos bem assim. - Ela falou em tom baixo e rouco.
Ele, lhano e não como de costume, deu corda:
- Como?
Ela deslizou de volta enquanto roubava devagar o cigarro dos dedos dele. Parou na altura do quadril, onde repousou o pescoço, deixando espalhados os cabelos. Soltou a fumaça por entre os lábios secos, olhando longe.
- Assim, do jeito que está. Essa despretensão, esse compromisso de não ter compromisso além de querer e estar; de dividir a cama de madrugada.
Essa despretensão era nova. Já tinham ficado juntos antes, mas não daquela forma.
Antes era a insegurança que reinava. Agora estava tudo em paz.
Ela gostava de descansar nua no sofá, enquanto ele tocava piano. Fumavam um em meio a conversas e devaneios. Viviam de reggae e de blues. De boêmia e de darma. Nada disso tinham antes, quando não havia espaço para se entenderem bem.
Agora era um despertencimento bom, um contrato entre amantes, selando o desejo mútuo sem planos, sem data, sem títulos.
- É. - Ele concordou sem muito esforço.
Ela não queria ir além da primeira frase. Queria parar ali, enquanto tudo permanecia em perfeita sintonia. Mas não se conteve em ir além:
- Pra que contemplar o sofrimento, então? Procurar a dor onde não há, com que propósito?
Ela já tinha parado com tais indagações... Ele a olhava sem querer dar muita explicação.
Não é que contemplasse o sofrimento. Sabia que era algo inerente dele e de todos os seres humanos, fosse passivo ou ativo.
Nesse ponto negava a ótica epicurista que dizia interessar-lhe.
Para ela, ele apreciava a filosofia-terapêutica de Epicuro até certo ponto, como se visse uma vitrine bonita. Era algo bom de se pensar, porém não condizia com a realidade bruta das coisas.
- Sofremos porque vivemos - finalmente respondeu.
Ela continua, com os olhos grandes e curiosos:
- E não podemos nos sentir vivos ao morrer de prazer; ou regozijar-mo-nos quando simplesmente nos sentimos satisfeitos diante da existência ou das miudezas do dia-a-dia? Ainda que esse não seja um estado permanente, não é mais saudável valorizar essas alegrias?
Ele tirou mais um cigarro do maço. Sabia que ela falava para expulsar de si a preocupação por ele, por sua atração por experiências ou psicologias destrutivas.
Ela no fundo queria ver aqueles olhos felizes, tão somente. E sem muita esperança permanecia renitente em tirá-lo daquele estado melancólico no qual às vezes ele afundava.
Agora já o fitava concentrada, buscando reforçar sua ideia:
- Não digo para enganar-se com uma alegria artificial; escolher a ignorância. Só penso que devemos aproveitar genuinamente quando a felicidade dá as caras. É coisa tão pura e rara, a felicidade... Pra que sujá-la de graça com misantropia, que é tão mais frequente e inevitável?
Entendia seu ponto. Só não conseguia concordar, de alguma forma.
Contudo, não se incomodava tanto em ouví-la, ainad que discordasse. Amava-a, e continuaria amando daqui 5 minutos.
- Ficamos bem assim.
Ela concordou com a cabeça. Beijou então seus lábios frios, aquecendo-os, soprou neles a fumaça da última tragada, e fizeram amor até a noite cansar de esperar por eles.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Eu vi o futuro - Marcelo Nova

Me mostre o seu CD -Rom, a sua alma, o seu batom
E beijos que arrebentem as vidraças
Devolva a minha confiança, o meu escudo, a minha lança
E todas as promessas não cumpridas
E como está tudo acabado, deite aqui do meu lado
Eu ví o futuro, baby, ele é passado
Me entregue em lavas o seu vulcão, e fique bem na posição
Em que Napoleão perdeu a guerra
Entre maças e serpentes, tanto passado é tanta gente
Parece um feriadão no paraíso
E como está tudo acabado, deite aqui do meu lado
Eu ví o futuro, baby, ele é passado
O Brasil tem olhos de menina que vende chiclete em cada esquina
De um povo heróico o brado retumbante
E o sol dança na nossa frente, terrível, cego, indiferente
Como somente os deuses sabem ser
E como está tudo acabado, deite aqui do meu lado
Eu ví o futuro, baby, ele é passado

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Se

Dentro de um se ficam guardados muitos destinos incumpridos, que os poréns não deixaram existir.
Nele acumula-se o mofo das vontades adiadas.
Dentro do se sente-se um cheiro mórbido, da decomposição dos desejos mortos.
Às vezes eu odeio o se.
E como se não bastasse, ele ainda revida, com toda a arrogância, o fato de ser também a ferramenta pela qual se contrói o aqui e o agora, e não há como combater o poder daquele que manda na existência.
Em História a regra mais básica é nunca basear-se no se.
E daí concluo que é mais são aposentar o se também dos meus pensamentos.
E viver agora, e de olho, no máximo, no amanhã.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

De acordo

Então fica assim, você por você, e eu pra mim.
Como se o nosso tempo já tivesse passado. Ficou pra trás, os planos de ser mais.
E com você fica tudo em paz... Como faz?
Fica então no standby esse ímpeto de mostrar do que sou capaz. Vale a pena, rapaz?
Mas que seja assim, deixa repousado o impulso que chuta o estômago em direção a um destino antes quase certo, agora interrompido.
Ser romântico fica cada vez mais difícil onde o relógio gira rápido demais.
E o seu já passou da hora, e não importa ao tempo você estar do lado errado.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Deletérios




Quis nunca te perder
Tanto que demais
Via em tudo o céu
Fiz de tudo o cais
Dei-te pra ancorar
Doces deletérios

Eu quis ter os pés no chão
Tanto eu abri mão
Que hoje eu entendi
Sonho não se dá
É botão de flor
O sabor de fel
É de cortar.

Eu sei é um doce te amar
O amargo é querer-te pra mim
O que eu preciso é lembrar, me ver
Antes de te ter e de ser teu, muito bem

Quis nunca te ganhar
Tanto que forjei
Asas nos teus pés
Ondas pra levar
Deixo desvendar
Todos os mistérios

Sei, tanto te soltei
Que você me quis
Em todo lugar
Lia em cada olhar
Quanta intenção
Eu vivia preso

Eu sei, é um doce te amar
O amargo é querer-te pra mim
Do que eu preciso é lembrar, me ver
Antes de te ter e de ser teu
O que eu queria, o que eu fazia, o que mais?
Que alguma coisa a gente tem que amar, mas o quê?
Não sei mais

Os dias que eu me vejo só
São dias que eu me encontro mais
E mesmo assim eu sei tão bem
existe alguém pra me libertar.

Renitência

Queria ter dois, sereia e abrigo
Ouvir aquela música de longa data
Ter seu inabalável universo comigo
Quer ver a cobra debater, até se transformar em anjo de prata.
Mas convenhamos, isso não cabe à sua alçada.
Teu lugar é outro, embaixo dos panos do quarto
Por baixo dos planos do gato
E agora, como vai embora?
Ficarás na sacada até quando, aí fora?
Esperando o clímax da moça com o amante?
Perdoe esse coração fumante...
Essa insistência errante
Acuda esse peito relutante.

Nublado

E quem sabe eles se comunicam sem saber.
Seja por um segundo de olhar ou uma dose oval de amor.
Talvez tenham interesses em comum que não sabem ter. Livros, lugares, filosofias...
Quem sabe seus textos, sileciosamente, se encontram. Haveria um leitor patente?
Seria então um descompasso talhado, rumo a um ninho em chamas?

E quem sabe eles se amam sem saber?
Por compreender o soluço ou por escolher estar na cama usando o pijama do outro.

Quem sabe não se sabe nada, na verdade...
E esse não-saber nos mata, mas é o que nos mantém caminhando...
Cultivando um caminho ora menos, ora mais adiado.
Acima de nós, o céu continua nublado.

Castles made of sand



Down the street you can hear her scream "you're a disgrace"
As she slams the door in his drunken face
And now he stands outside and all the neighbors start to gossip and drool
He cries "oh girl, you must be mad
What happened to the sweet love you and me had?"
Against the door he leans and starts a scene
And his tears fall and burn the garden green

And so castles made of sand, fall in the sea, eventually

A little Indian brave who before he was ten, played war game sin
The woods with his Indian friends, and he built a dream that when he
Grew up, he would be a fearless warrior Indian Chief
Many moons passed and more the dream grew strong, until tomorrow
He would sing his first war song
And fight his first battle, but something went wrong
Surprise attack killed him in his sleep that night

And so castles made of sand, melts into the sea, eventually

There was a young girl, whose heart was a frown
Because she was crippled for life, and couldn't speak a sound
And she wished and prayed she would stop living, so she decided to die
She drove her wheel chair to the edge of the shore, and to her legs she smiled
"You won't hurt me no more"

But then a sight she'd never seen made her jump and say

"Look, a golden winged ship is passing my way"

And it really didn't have to stop, it just kept on going

And so castles made of sand slips into the sea

Eventually

Franqueza

Traduz seus juízos com músicas de outros, pois não ousa usar as próprias palavras para transmitir suas verdades infames.
Colocar no papel é assumir pro mundo.
E a humanidade não está acostumada à sinceridade.
Não se atreve a admitir assim, que é contente ou descontente aqui ou ali, num pedaço ou outro da alma, porque, vá lá, tem medo dos seus monstros internos. São impetuosos, você sabe bem. Eles podem destruir tudo sem aviso ou exegese, sem comoção nem anteparo. Eles te aprisionam por você temer libertá-los; por, muito seguramente ou apenas por um triz, não permitir-lhes tomarem o controle e cumprirem sua falaz função.
Mas de que adianta espada, se a Quimera é tardia e dulcinéia?

Todo o amor que houver nessa vida



Eu quero a sorte de um amor tranqüilo
Com sabor de fruta mordida
Nós, na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia

E ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente nem vive
Transformar o tédio em melodia...
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum veneno anti-monotonia...

E se eu achar a tua fonte escondida
Te alcanço em cheio
O mel e a ferida
E o corpo inteiro feito um furacão
Boca, nuca, mão e a tua mente, não
Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum remédio que me dê alegria...

Ser teu pão, ser tua comida
Todo amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia
E algum veneno anti-monotonia...
E algum...

Little wing

Well she's walking through the clouds
With a circus mind that's running round
Butterflies and zebras
And moonbeams and fairy tales
That's all she ever thinks about
Riding with the wind
When I'm sad, she comes to me
With a thousand smiles, she gives to me free
It's alright she says it's alright
Take anything you want from me
You can take anything, anything

Fly on little wing
Fly on little wing
Fly on, fly on, fly on...


domingo, 1 de janeiro de 2012

Queremos saber



Queremos saber,
O que vão fazer
Com as novas invenções
Queremos notícia mais séria
Sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
Na emancipação do homem
Das grandes populações
Homens pobres das cidades
Das estepes dos sertões
Queremos saber,
Quando vamos ter
Raio laser mais barato
Queremos, de fato, um relato
Retrato mais sério do mistério da luz
Luz do disco voador
Pra iluminação do homem
Tão carente, sofredor
Tão perdido na distância
Da morada do senhor
Queremos saber,
Queremos viver
Confiantes no futuro
Por isso se faz necessário prever
Qual o itinerário da ilusão
A ilusão do poder
Pois se foi permitido ao homem
Tantas coisas conhecer
É melhor que todos saibam
O que pode acontecer
Queremos saber, queremos saber
Queremos saber, todos queremos saber


Que uso tem isso tudo, afinal?