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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

sábado, 14 de janeiro de 2012

Intimidade (dentro do se)

Estavam pela segunda vez naquela casa no interior de Minas. Mobiliário rústico, quarto escuro iluminado apenas pela luz baixa do abajour e, hora ou outra, pelo fogo do isqueiro.
Ela estava vestida com uma camisola de seda branca já soltando uma das alças. Apoiava suas costas morenas no corpo nu e alvo dele. Ele escorava na cabeceira, ocupando-a com seus longos braços, e na ponta dos dedos mais um cigarro.
Estavam em silêncio fazia um tempo.
Ela deslizou seu corpo em direção ao rosto dele, de forma que seus lábios encontraram, ao contrário, os dele.
Ele fitou seu rosto de cabeça pra baixo e deu uma tragada.
- Ficamos bem assim. - Ela falou em tom baixo e rouco.
Ele, lhano e não como de costume, deu corda:
- Como?
Ela deslizou de volta enquanto roubava devagar o cigarro dos dedos dele. Parou na altura do quadril, onde repousou o pescoço, deixando espalhados os cabelos. Soltou a fumaça por entre os lábios secos, olhando longe.
- Assim, do jeito que está. Essa despretensão, esse compromisso de não ter compromisso além de querer e estar; de dividir a cama de madrugada.
Essa despretensão era nova. Já tinham ficado juntos antes, mas não daquela forma.
Antes era a insegurança que reinava. Agora estava tudo em paz.
Ela gostava de descansar nua no sofá, enquanto ele tocava piano. Fumavam um em meio a conversas e devaneios. Viviam de reggae e de blues. De boêmia e de darma. Nada disso tinham antes, quando não havia espaço para se entenderem bem.
Agora era um despertencimento bom, um contrato entre amantes, selando o desejo mútuo sem planos, sem data, sem títulos.
- É. - Ele concordou sem muito esforço.
Ela não queria ir além da primeira frase. Queria parar ali, enquanto tudo permanecia em perfeita sintonia. Mas não se conteve em ir além:
- Pra que contemplar o sofrimento, então? Procurar a dor onde não há, com que propósito?
Ela já tinha parado com tais indagações... Ele a olhava sem querer dar muita explicação.
Não é que contemplasse o sofrimento. Sabia que era algo inerente dele e de todos os seres humanos, fosse passivo ou ativo.
Nesse ponto negava a ótica epicurista que dizia interessar-lhe.
Para ela, ele apreciava a filosofia-terapêutica de Epicuro até certo ponto, como se visse uma vitrine bonita. Era algo bom de se pensar, porém não condizia com a realidade bruta das coisas.
- Sofremos porque vivemos - finalmente respondeu.
Ela continua, com os olhos grandes e curiosos:
- E não podemos nos sentir vivos ao morrer de prazer; ou regozijar-mo-nos quando simplesmente nos sentimos satisfeitos diante da existência ou das miudezas do dia-a-dia? Ainda que esse não seja um estado permanente, não é mais saudável valorizar essas alegrias?
Ele tirou mais um cigarro do maço. Sabia que ela falava para expulsar de si a preocupação por ele, por sua atração por experiências ou psicologias destrutivas.
Ela no fundo queria ver aqueles olhos felizes, tão somente. E sem muita esperança permanecia renitente em tirá-lo daquele estado melancólico no qual às vezes ele afundava.
Agora já o fitava concentrada, buscando reforçar sua ideia:
- Não digo para enganar-se com uma alegria artificial; escolher a ignorância. Só penso que devemos aproveitar genuinamente quando a felicidade dá as caras. É coisa tão pura e rara, a felicidade... Pra que sujá-la de graça com misantropia, que é tão mais frequente e inevitável?
Entendia seu ponto. Só não conseguia concordar, de alguma forma.
Contudo, não se incomodava tanto em ouví-la, ainad que discordasse. Amava-a, e continuaria amando daqui 5 minutos.
- Ficamos bem assim.
Ela concordou com a cabeça. Beijou então seus lábios frios, aquecendo-os, soprou neles a fumaça da última tragada, e fizeram amor até a noite cansar de esperar por eles.

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