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É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Le ingrat de bohème - Conto, prévia.

Arrastou-se até a mesa da sala e serviu-se de um pouco de Bourbon. Mãos tremendo, tomou a dose num gole e encheu o copo novamente. Sentou-se, não se aguentava de pé. Olhou pela pequena janela de vidros sujos o nublado do céu e o contorno dos enormes edifícios da cidade. O vidro envelhecido e a cortina amarelada faziam da luz um tom pastel que iluminava o pequeno loft suavemente. Melhor assim: a cabeça estourando tinha o alívio daquelas cores calmas e quentes. A mesma luz fazia brilhar os estilhaços de vidro sobre o tapete.

- Estou indo embora.
 - Vai viajar? Quando volta?
- Nunca.
Olhava fixamente para o indicador do andar do elevador.
Era um prédio antigo na Rue de la Boule Rouge, ao lado do Alberge du Louis e do Mimi's, cabaré de categoria duvidosa, daqueles que algumas letras da placa de entrada estão apagadas e ninguém liga. Talvez essa fosse uma amarga ironia na vida de Carmem: a um quarteirão de distância, na rua Richer, estava o glorioso Folies Bergère, onde trabalhou por um tempo. Era a principal dançarina de tango e participava dos espetáculos do fim de semana, mas por alguma razão que nunca tomei total conhecimento, teve de sair. Não sei como acabou procurando por uma vaga no Mimi's, que não tinha nem um décimo do luxo do Bergère, e seu público muito menos. A piada que circulava era de que o Mimi's era famoso entre os serviçais do Bergère. É bem verdade que observei Carmem saindo algumas noites com homens da alta classe, provavelmente antigos clientes, mas isso fazia tempo. Aquela jovem mulher passou da glória para a decadência tão assustadoramente rápido, de forma que eu não sabia se me intrigava ou se devia me abster de saber como deixou de ser uma aclamada dançarina do Bergère para assumir os encargos de meretriz, abandonada naquela ruazinha de Paris.
Algumas vezes chegou com rosto inchado e braços machucados. Os rumores na porta do cabaré era de que ela havia se metido em confusões com o pessoal do antigo emprego. Por mais que eu exigisse por explicações para que tomasse as providências necessárias com os vândalos que ousaram agredí-la, ela nada me explicava, me vencia pelo cansaço - ou eu que não teria coragem de realmente saber das mazelas que envolviam sua vida - e dormia como um anjo em minha cama, como se lá estivesse protegida de toda a maldade com a qual lidava constantemente. Tínhamos uma espécie de amizade, se houvesse como desejar apenas isso com uma mulher como ela...

- Não ia se despedir?
Não, não ia. Estava ali, de pé, no corredor de paredes verdes do pequeno prédio, esperando pelo elevador, que surpreendentemente ainda funcionava.
- Camille! Olhe pra mim.

 Continua.
É que tanto tempo sem postar, e com esse texto parado,cabe mostrar algum resultado. É, também, que ninguém vai ler o conto inteiro quando sair mesmo.