Achar nesse blog ou em links próximos:

.

É preciso estar atento e forte: a má notícia é que as coisas mudam. Calma, a boa notícia é que as coisas mudam.
No meio disso tudo, eu escrevo...

domingo, 18 de dezembro de 2011

Bath trip (Anamnese)

narração descritiva e acompanhada de trilha sonora (entre chaves)

[Carried Home - Iron & Wine]
Ela passa pela porta de vidro do box. Gira o registro que será a porta de embarque para o seu devaneio.
[0'01] Caem as gotas do chuveiro. Parecem estranhamente sincronizadas.
[0'15] A água cai sobre o seu rosto.
[1'37] Ela se vê mergulhada em glicerina vermelha.
O corpo afundando devagar naquele mundo novo e estranho.
Seus cabelos se espalham acima de seu corpo, e ela se vê cada vez mais longe do mundo real.
Tudo começa a girar, cada vez mais rápido. Ela está no olho do furacão violento e tinto.
Uma tempestade-carmim arremessa-a para cima com urgência; como um aspirador, a sugar sua alma e matéria.
[Crazy - Gnarls Barkley]
[0'01] De súbito, ela está de volta.
Tudo mudou depressa. Como se ela tivesse recebido um choque elétrico, ela via mil cores e um branco intenso intercalarem.
Dançava - se é que aquilo pudesse ser chamado de dança - e pulava no cubículo de vidro.
Cada gota que caía era um pingo a mais de loucura.
Tudo rodava, estava tudo acelerado, frenético, vivo.
Sentia a água no seu corpo com uma intensidade absurdamente maior.
Todo o cenário esquizofrênico irradiava uma felicidade-elétrica, cujo ritmo acompanhava o pulso inquieto dela.
[Eletric Feel - MGMT]
[0'01] De repente ela estava dentro da própria mente. Tudo azul.
Estava rodeando o seu labirinto interno; seu motor era uma energia estranha e boa, como se o mundo todo tivesse a reunido e depositado-a naquele instante.
Suas memórias e desejos estavam vivos como nunca: o rosto de pessoas, luzes da cidade, o barulho dos automóveis, da rua e dos prostíbulos; florestas, o canto dos grilos, tambores africanos, desertos, campos gramados, duendes, sorrisos e sombras dançantes corriam como um filme em câmera rápida.
De repente tudo ficava azul de novo e começava a dissolver.
As gotas ainda estavam ali. Escorriam pelas beiradas e, ao alcançar o interior, flutuavam entre as memórias assumindo um brilho de cristal. Ao passo que se expandiam, ela retornava para o cubículo do box, guiada pela luz branca do banheiro.
[ Serpent Charmer - Iron & Wine]
[0'06] Ela começava a recobrar a percepção real das coisas, mesmo ainda residindo nela a reminescência da quimera da qual ela saía.
A água do chuveiro caía agora como um cobertor, ou talvez como as mãos do homem que amava, envolvendo-a de conforto.
Fechou os olhos e escorou o corpo no canto do box. Estava em paz.
Respirava fundo enquanto sentia o efeito contrastante da água quente e da parede gelada em sua pele.
Agradeceu pela água que caíra, que reuniu seus anseios, expulsou de seus ombros todo o peso do cotidiano, e molhou seu espírito de tranquilidade; e fechou o registro.

Nenhum comentário: